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SECA DE BOM SENSO
Pessoas famintas ou desesperadas
podem saquear supermercados. Afinal "é melhor matar a fome do povo
do que manter um supermercado".
Essa declaração do arcebispo de João
Pessoa (PB), d. Marcelo Carvalheira,
que representava a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)
em uma entrevista coletiva, merece
uma condenação categórica. O arcebispo admitiu ainda, sem maiores
ressalvas, que suas palavras poderiam ser interpretadas como um incentivo às invasões de terras.
Apesar das justificativas humanitárias, a defesa de atitudes desse tipo
não contribui em nada para uma solução do exasperante drama dos flagelados da seca, além de evidentemente chancelar a ilegalidade. Aliás,
tais manifestações acabam por promover mais violência e desordem.
Em março, no município de Conceição, na Paraíba, 600 pessoas invadiram e depredaram quatro escolas para levar alimentos da merenda escolar. Saques vêm sendo praticados em
várias regiões do país. Vão de assaltos a caminhões que transportam alimentos e a armazéns ao roubo de gado em fazendas invadidas.
É evidente que a situação dos mais
pobres, agravada pela crise econômica e, principalmente, o caso dos sertanejos afetados pela seca são desesperadores. Está em jogo a sobrevivência de pessoas excluídas de qualquer proteção social, sem perspectivas de vida decente e, no momento,
ameaçadas de morte pela fome, por
doenças causadas pela escassa e contaminada água de que dispõem. Mas
é intolerável que personalidades de
relevo na vida pública, como o arcebispo de João Pessoa, apóiem a ilegalidade como solução emergencial para o drama da fome.
Declarações desse teor, além de serem intoleráveis, prestam um desserviço, pois desviam a atenção da urgência de políticas públicas para graves problemas sociais, como o da seca. Seria, em vez disso, mais racional
e proveitoso conclamar as autoridades a implementarem rapidamente
um programa assistencial.
Tentar legitimar o uso da força e o
desprezo pela ordem legal, mesmo
por parte dos desesperados, nem remotamente permitirá enfrentar esse
problema. Ao contrário, irá agravá-lo. O resultado é apenas violência,
e não políticas sociais produtivas,
paliativas ou de longo prazo.
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