São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 2005

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ANTONIO DELFIM NETTO

De novo, o namoro cambial

O efeito mais perverso da manutenção de uma taxa de câmbio artificialmente valorizada é a desmontagem do aparelho exportador do país, que vê sua participação no comércio mundial (e as suas oportunidades de crescimento) se dissiparem lentamente pela diminuição dos investimentos. O Brasil tem sido vítima desse processo desde 1986. No período 1980/84, exportávamos tanto quanto a Coréia do Sul e a China (em torno de US$ 22 bilhões anuais). Em 20 anos (1982-2002), nossas exportações cresceram ridículos 5% ao ano contra 11% da Coréia e 15% da China! Em 2002, três anos após a desvalorização do real imposta pelo mercado em 1999 (depois de acumularmos US$ 180 bilhões de déficit em conta corrente), a exportação brasileira voltou à vida. Expandiu-se 26% ao ano entre 2002-2004 contra 25% da Coréia e 35% da China.
O estrago feito pela manipulação do câmbio no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso foi monstruoso. No período de julho de 1994 a dezembro de 1998, a taxa de câmbio variou de um real por dólar para 1,21 real por dólar, ou seja, 21%, enquanto o IPCA variou de 100 para 170, ou seja, 70%. A valorização foi sustentada por quatro anos de taxas de juros reais de mais de 20%, aumentando a dívida pública. Em 31/12/02, último dia do seu segundo mandato, FHC entregou para Lula:
1) um país que cresceu apenas 2,3% ao ano ao longo de oito anos;
2) uma relação dívida líquida do setor público/PIB da ordem de 56%, quando a relação "virtuosa" é de 30%;
3) uma relação dívida externa líquida/exportação de bens e serviços de 3,0, quando a relação "virtuosa" é de 1,5;
4) uma relação amortização + juros/exportação de bens e serviços de 71%, quando a relação "virtuosa" é de 30%.
Essas relações estão hoje num nível bem mais civilizado graças ao esforço exportador e à aceleração do crescimento da economia em 2004. Foi o aumento das exportações que reduziu a "armadilha externa" construída ao longo dos oito anos de FHC. Infelizmente, voltamos a namorar com a valorização cambial como instrumento coadjuvante da redução da taxa de inflação. O que se obteve desde a brilhante vitória da política fiscal e monetária do governo Lula, entre janeiro e maio de 2003, quando a inflação havia voltado ao nível anterior de 7,5% anuais, foi apenas a estabilização da inflação. O efeito colateral continua a ser um enorme custo da dívida para o Tesouro Nacional.
Olhando os argumentos dos comentaristas "especializados", que garantem que o "câmbio não tem importância" na quantidade exportada ou importada, não se pode deixar de aceitar a hipótese de que o Brasil tem um certo prazer em ser enganado. Quando alguém diz a meia verdade de que o "efeito câmbio é amenizado pelo aumento dos preços externos em dólares", esquece o "resto" da verdade: mostrar que, se isso é aceitável para os "básicos" e "semifaturados", é absolutamente falso para os "manufaturados", cujos preços externos cresceram menos de 10% entre abril de 2002 (quando o câmbio nominal estava em torno de R$ 2,5 por dólar) e janeiro de 2005. No mesmo período, o IPCA, que é um indicador dos custos, cresceu 30%! Em 2004, os produtos manufaturados representaram 56% do valor da exportações.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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