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TENDÊNCIAS/DEBATES
Sobre ser latino-americano
MARTA SUPLICY
Marcelo Coelho, na sua crônica de quarta-feira, 19 de junho
(Ilustrada, pág. E8), diz que "não se é latino-americano impunemente"; nem
de joelhos, acrescentaria eu.
Referindo-se a mais uma coletiva de
Malan, Marcelo Coelho, com excelente
metáfora sobre um casal inseguro e sádico, afirma: "As exigências do mercado ao candidato do PT evocam não apenas uma novela ou os folhetins de Nelson Rodrigues, mas também outro modelo: o da confissão extraída sob tortura. Há como que o ímpeto sádico de fazer com que Lula se dobre e se humilhe
diante das ameaças de qualquer entrevistador, de qualquer comentarista econômico".
Tranquilizem-se. Nem Lula nem o PT
foram forjados para se curvar às exigências ideológicas dos principais responsáveis pela grave situação econômica e
social em que se encontra o nosso país.
Como diz a embaixadora dos Estados
Unidos no Brasil, Lula é a realização do
"sonho americano". O sonho americano no que tem de melhor, o do "self-made man", que se forjou na adversidade, no trabalho e se transformou na
maior liderança popular do Brasil e da
América Latina.
Ao cabo de oito anos, o governo FHC-Malan-Serra conseguiu a façanha de
deixar o Brasil com gravíssimo endividamento, crescimento econômico nulo,
recorde de desemprego e de violência
urbana e fez ressurgirem doenças erradicadas no passado, como a dengue.
Um em cada três milionários da América Latina está no Brasil. Sete em cada
cem desempregados de todo o mundo
também. Como se vê, ser latino-americano traz consequências diferentes segundo o lugar que se ocupa na pirâmide
social e nas preocupações dos que nestes oito anos nada fizeram para mudar
essa realidade. Eles, que governaram
longos oito anos, não podem escapulir
do que Jean Ziegler, representante da
ONU, denominou um "verdadeiro genocídio social".
Para a reconstrução de um Brasil diferente, temos de mudar o rumo e as prioridades. Para este gigantesco esforço serão necessárias todas as forças da nação:
governo, empresários e trabalhadores,
juntos, num contrato social pelo progresso e pela retomada do emprego no
país. Este selo de união será indispensável para a obtenção da tranquilidade e
da paz social para o enfrentamento da
situação desastrada herdada e o encaminhamento das mudanças ungidas
pelas urnas.
Esse caminho é possível, além de necessário, preservando o país do retorno
da inflação descontrolada, cumprindo
os contratos internacionais, mantendo
a responsabilidade fiscal -como as administrações do PT praticam diariamente-, ampliando as exportações e
substituindo certas importações para
assegurar um superávit primário e começar a reduzir nosso excessivo endividamento.
Para que esse caminho seja trilhado, é
preciso que uma liderança como Lula
possa reunir a seu lado os melhores representantes dos diversos setores sociais dispostos a ampliar o mercado interno, desenvolver as potencialidades
de nosso povo, reduzir as desigualdades
sociais e permitir aos brasileiros acesso
aos bens elementares de que todo ser
humano necessita: alimentação, saúde,
educação, habitação e saneamento.
Ninguém pode se servir do medo para tentar impor ao povo qualquer restrição na escolha de suas autoridades
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Um país soberano, em suma, inserido
na economia mundial e aberto para o
mundo, mas voltado para seu desenvolvimento como nação.
Isso é possível com a condição de que
os interesses do Brasil sejam preservados acima dos interesses mesquinhos
dos que lucram com a crise e dos que,
como o governo e seu candidato, iniciam os incêndios para depois aparecerem disfarçados de bombeiro.
Quero reiterar que ninguém pode se
servir do medo para tentar impor ao povo brasileiro qualquer restrição na escolha de suas autoridades. A disputa eleitoral não pode se utilizar de métodos
que desestabilizem o país e ponham em
risco sua economia. O país terá de escolher entre os especuladores e a crise ou
Lula e a defesa do Brasil.
O que precisamos é de mudanças alavancadas em projetos consistentes de
desenvolvimento, não da continuidade
da atual política, que nos leva ao abismo
de mais desemprego, mais violência urbana e mais pobreza. Os que, durante
oito anos, pouco conseguiram em benefício dos mais humildes querem que todos se comprometam a defender mais
do mesmo remédio. Aliás, esse remédio
não cura o paciente, que é o povo brasileiro, e, contradizendo o que disse o presidente outro dia, tampouco acalma o
mercado. Temos de trocar de médico e
também de remédio, dando uma chance ao Lula.
O compromisso do PT e do Lula é
com a mudança, a inclusão social, a democracia, a estabilidade econômica e o
desenvolvimento com distribuição de
renda. Não temos medo do futuro do
Brasil, saberemos mudar para melhor.
Marta Suplicy, 56, psicanalista, é prefeita do
município de São Paulo e membro da Executiva
Nacional do PT.
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