São Paulo, terça-feira, 25 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sobre ser latino-americano

MARTA SUPLICY

Marcelo Coelho, na sua crônica de quarta-feira, 19 de junho (Ilustrada, pág. E8), diz que "não se é latino-americano impunemente"; nem de joelhos, acrescentaria eu.
Referindo-se a mais uma coletiva de Malan, Marcelo Coelho, com excelente metáfora sobre um casal inseguro e sádico, afirma: "As exigências do mercado ao candidato do PT evocam não apenas uma novela ou os folhetins de Nelson Rodrigues, mas também outro modelo: o da confissão extraída sob tortura. Há como que o ímpeto sádico de fazer com que Lula se dobre e se humilhe diante das ameaças de qualquer entrevistador, de qualquer comentarista econômico".
Tranquilizem-se. Nem Lula nem o PT foram forjados para se curvar às exigências ideológicas dos principais responsáveis pela grave situação econômica e social em que se encontra o nosso país. Como diz a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Lula é a realização do "sonho americano". O sonho americano no que tem de melhor, o do "self-made man", que se forjou na adversidade, no trabalho e se transformou na maior liderança popular do Brasil e da América Latina.
Ao cabo de oito anos, o governo FHC-Malan-Serra conseguiu a façanha de deixar o Brasil com gravíssimo endividamento, crescimento econômico nulo, recorde de desemprego e de violência urbana e fez ressurgirem doenças erradicadas no passado, como a dengue.
Um em cada três milionários da América Latina está no Brasil. Sete em cada cem desempregados de todo o mundo também. Como se vê, ser latino-americano traz consequências diferentes segundo o lugar que se ocupa na pirâmide social e nas preocupações dos que nestes oito anos nada fizeram para mudar essa realidade. Eles, que governaram longos oito anos, não podem escapulir do que Jean Ziegler, representante da ONU, denominou um "verdadeiro genocídio social".
Para a reconstrução de um Brasil diferente, temos de mudar o rumo e as prioridades. Para este gigantesco esforço serão necessárias todas as forças da nação: governo, empresários e trabalhadores, juntos, num contrato social pelo progresso e pela retomada do emprego no país. Este selo de união será indispensável para a obtenção da tranquilidade e da paz social para o enfrentamento da situação desastrada herdada e o encaminhamento das mudanças ungidas pelas urnas.
Esse caminho é possível, além de necessário, preservando o país do retorno da inflação descontrolada, cumprindo os contratos internacionais, mantendo a responsabilidade fiscal -como as administrações do PT praticam diariamente-, ampliando as exportações e substituindo certas importações para assegurar um superávit primário e começar a reduzir nosso excessivo endividamento.
Para que esse caminho seja trilhado, é preciso que uma liderança como Lula possa reunir a seu lado os melhores representantes dos diversos setores sociais dispostos a ampliar o mercado interno, desenvolver as potencialidades de nosso povo, reduzir as desigualdades sociais e permitir aos brasileiros acesso aos bens elementares de que todo ser humano necessita: alimentação, saúde, educação, habitação e saneamento.


Ninguém pode se servir do medo para tentar impor ao povo qualquer restrição na escolha de suas autoridades


Um país soberano, em suma, inserido na economia mundial e aberto para o mundo, mas voltado para seu desenvolvimento como nação.
Isso é possível com a condição de que os interesses do Brasil sejam preservados acima dos interesses mesquinhos dos que lucram com a crise e dos que, como o governo e seu candidato, iniciam os incêndios para depois aparecerem disfarçados de bombeiro.
Quero reiterar que ninguém pode se servir do medo para tentar impor ao povo brasileiro qualquer restrição na escolha de suas autoridades. A disputa eleitoral não pode se utilizar de métodos que desestabilizem o país e ponham em risco sua economia. O país terá de escolher entre os especuladores e a crise ou Lula e a defesa do Brasil.
O que precisamos é de mudanças alavancadas em projetos consistentes de desenvolvimento, não da continuidade da atual política, que nos leva ao abismo de mais desemprego, mais violência urbana e mais pobreza. Os que, durante oito anos, pouco conseguiram em benefício dos mais humildes querem que todos se comprometam a defender mais do mesmo remédio. Aliás, esse remédio não cura o paciente, que é o povo brasileiro, e, contradizendo o que disse o presidente outro dia, tampouco acalma o mercado. Temos de trocar de médico e também de remédio, dando uma chance ao Lula.
O compromisso do PT e do Lula é com a mudança, a inclusão social, a democracia, a estabilidade econômica e o desenvolvimento com distribuição de renda. Não temos medo do futuro do Brasil, saberemos mudar para melhor.


Marta Suplicy, 56, psicanalista, é prefeita do município de São Paulo e membro da Executiva Nacional do PT.



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