São Paulo, terça-feira, 25 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O PT não mudou

MÁRCIO FORTES

Você acha que o PT mudou? Acredita na versão "light" de Lula? Convenceu-se de que o partido fez uma dieta em que não há lugar para radicalismo? Então leia o já polêmico documento "Concepção e Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil". Encare a leitura como um dever cívico. Com um pouquinho de paciência, você pode ajudar a destruir a ilusão de milhões de cidadãos. Você terá destruído uma ilusão, mas colaborado com o país.
Em linhas gerais, o PT ignora as conquistas dos últimos oito anos. O espírito é o do "vamos acabar com tudo o que está aí e começar de novo". Nas entrelinhas, há alertas contra o capital especulativo, insinuações ou afirmações de que se regulará a remessa de lucros e o ingresso de investimento externo, de que se interromperá o processo de privatização, de que a abertura econômica pode sofrer limitações e de que o Estado petista se caracterizará por gastar mais e pelo intervencionismo.
Como os tempos são de prévias, vale a pena chamar a atenção para o documento. Ele é a prova material de que são falsos o discurso comedido de Lula e a imagem light que tentam vender seus marqueteiros. O programa abre com um sugestivo subtítulo, "A Ruptura Necessária". Lê-se: "A implementação de nosso programa de governo para o Brasil, de caráter democrático e popular, representará uma ruptura com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na consequente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado".
Quando preconiza ações necessárias a reduzir a "vulnerabilidade e a dependência externas" do país, o PT fala em "implantar mecanismos de regulação da entrada do capital especulativo e reorientar o investimento direto externo com critérios de seletividade". Defende-se a "regulamentação do processo de abertura do setor financeiro", tendo em vista que "a redução da fragilidade externa da economia brasileira envolve também a eliminação de brechas legais que facilitam a realização de operações financeiras não transparentes com o exterior, a revisão dos esquemas de captação de recursos utilizados pelo sistema bancário para operações de arbitragem com títulos públicos e a regulamentação do ingresso de novos bancos estrangeiros no sistema financeiro nacional".
No que diz respeito à dívida externa, "será necessário denunciar do ponto de vista político e jurídico o acordo atual com o FMI".


Tornou-se politicamente correto minimizar os efeitos de uma vitória de Lula. Diz-se que vai estar tudo bem


O documento está repleto de expressões como "Estado democrático forte", "reconstrução da capacidade estatal", preservação e consolidação do Estado. Lê-se que, "em segmentos como petróleo, energia, saneamento, bancos, em que a presença das empresas estatais ainda é relevante, ela deverá ser preservada e consolidada". Informa-se que "o programa de privatizações será suspenso e reavaliado, sendo auditadas as operações já realizadas". No setor energético, poderá ocorrer uma "revisão" da privatização.
É fácil entender por que os mercados se agitam quando Lula está em alta. Analistas de bancos de investimento estrangeiros recebem milhões de dólares em bônus para estarem atentos a tudo. Eles fazem o que poucos de nós têm paciência para fazer: lêem tudo o que lhes cai às mãos. E analista nenhum vai recomendar que se invista num país prestes a olhar torto para o capital estrangeiro. A instabilidade introduzida por um programa como esse é imensa. Assusta.
Tornou-se politicamente correto minimizar os efeitos de uma vitória de Lula. Diz-se que vai estar tudo bem, que nada sairá do lugar. Não é bem assim. Outro dia, Lula comentou que pretende taxar em até 50% o Imposto de Renda. Foi desautorizado por economistas do próprio partido. O documento do PT desbota a imagem light que seus marqueteiros se esforçam em desenhar. Será que Lula o subscreveria?
O PT tem esse grande problema. O partido não é um só, são muitos. Unidades fragmentadas, divisíveis por si mesmas e pela unidade. É quase um número primo, o PT. E essa autofagia colabora para tornar ainda mais confuso um quadro eleitoral que tem o candidato do partido como líder folgado.
Procuram-se explicações para as sucessivas derrotas de Lula. O PT perde justamente porque não muda. Porque suas bases contaminam qualquer desejo sincero de adaptação a novos tempos. Porque há sempre um ranço estatizante, um viés nacionalista anacrônico que, à última hora, cobra sua presença.
O melhor antídoto contra o PT é o próprio PT.
Lula ostenta hoje a mesma liderança folgada de 1994. Comenta-se que Fernando Henrique decolou, a partir de maio daquele ano, graças ao plano Real. E que, como Serra não terá um plano Real diante de si, Lula estaria perto de subir a rampa do Planalto.
Serra não terá uma nova moeda, é verdade. Fernando Henrique também não a teve em 1998. Mas o candidato do PSDB terá o que Lula nunca teve: capacidade de proporcionar ao eleitor a segurança de que conquistas passadas não serão sepultadas, de que o país não será lançado numa aventura perigosa em tempos de tragédia na Argentina.
Ao se aproximar a eleição, o eleitor abrirá os olhos e se perguntará se vale a pena correr perigo. É o que tem feito há 13 anos. O dado novo desta eleição é que talvez Lula seja agora um produto mais bem-acabado, com design remodelado e inegavelmente bem concebido. O programa do PT aponta nessa direção. Não se deve perder de vista o que pensa quem vai governar com Lula -e talvez por ele.


Márcio Fortes, 57, é deputado federal pelo PSDB-RJ e secretário-geral do partido.



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