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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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UM TRISTE ESPETÁCULO

Há momentos em que os indicadores econômicos deixam sua frieza estatística e materializam-se em situações reais, humanas, exemplares aos olhos da sociedade. Foi o que ocorreu no Rio de Janeiro, na segunda-feira, quando mais de 15 mil pessoas compareceram a um cadastramento para compor o banco de reposição de vagas de garis da empresa municipal de limpeza urbana. Tratava-se de uma convocação apenas para aqueles cujos nomes começam com as duas primeiras letras do alfabeto. Como se viu nos jornais e nas imagens da TV, a inscrição terminou em tumulto, com intervenção da polícia, numa cena chocante e reveladora da gravidade do quadro econômico e social brasileiro.
Ao dramático espetáculo do desemprego, juntam-se novos indicadores, que evidenciam a forte desaceleração da atividade econômica. Os números do comércio varejista mostram que o setor, em abril, registrou queda pelo quinto mês consecutivo. Segundo informações do IBGE, todos os segmentos -supermercados, lojas de eletrodomésticos, concessionárias, postos, calçados e roupas- apresentaram resultados negativos em dois meses consecutivos, março e abril.
A escassez de crédito, as taxas de juros elevadíssimas, a perda de poder aquisitivo dos consumidores e o aumento do desemprego repercutem negativamente no comércio varejista. O setor fecha lojas, demite trabalhadores e promove liquidações. Os shopping centers registram altos percentuais de espaços não-ocupados. Entre fevereiro e abril, 74 mil postos de trabalho foram fechados no comércio na Região Metropolitana de São Paulo, de acordo com dados divulgados pelo Dieese.
Os indicadores de investimentos da indústria e da construção civil caminham na mesma direção. A produção de insumos da construção civil recuou 5,15% nos primeiros quatro meses do ano, em relação ao mesmo período do ano passado. A importação de bens de capital, ou seja, máquinas e equipamentos despencou 30,6%.
A combinação de queda no comércio varejista e no investimento industrial indica que a chamada economia real está desligando os motores. O próprio setor exportador, que tem evitado retração ainda mais acentuada da atividade, começa a conviver com os efeitos de um câmbio para ele menos favorável.
Nesse cenário, se as duras condições creditícias não forem arrefecidas, a economia brasileira estará condenada a um processo recessivo de proporções significativas nos próximos meses. A falta de investimentos pode criar estrangulamentos em determinados setores da indústria, o que dificultaria ainda mais a recuperação da produção e do emprego.
Os índices de inflação estão nitidamente em queda, como atesta a divulgação do IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15), que recuou de 0,85 %, em maio, para 0,22%, em junho, abaixo do previsto por analistas.
Diante desses dados, o excesso de conservadorismo do Banco Central, que reduziu em apenas meio ponto a taxa básica de juros, fica, mais uma vez, patente. A boa notícia foi a decisão de ontem do Conselho Monetário Nacional, que ampliou a meta de inflação para 2004. A inflação máxima que o BC admitirá no ano que vem passou de 5,5% para 8%. A decisão sugere a possibilidade de uma política monetária menos rigorosa para a economia real. Já é hora de o governo Luiz Inácio Lula da Silva começar a cumprir as promessas que o elegeram, ou seja, governar para o emprego, para a produção e para a redução da pobreza.


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