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CLÓVIS ROSSI
Quando o lixo é um luxo
SÃO PAULO - Era uma vez um tempo em que engenheiro virar suco causava escândalo. Para quem não se lembra, um engenheiro devidamente formado tornou-se notícia quando, na falta de emprego, abriu um boteco e
passou a vender suco.
Bons tempos aqueles, quem diria.
Hoje, para ser notícia, profissional de
nível superior tem de virar lixeiro,
conforme se viu anteontem no Rio de
Janeiro.
Nada contra o lixeiro, convém deixar claro. É possível que muita gente
guarde lá o seu preconceito, mas jornalista, ainda mais com muita quilometragem rodada, não tem esse direito, porque acaba mexendo com
mais lixo nauseabundo (humano ou
de outra natureza) do que os próprios garis.
Em um país com tamanha quantidade de desempregados e subempregados, não deveria causar surpresa o
fato de milhares de pessoas se acotovelaram em busca de um emprego
considerado tão pouco nobre.
A surpresa começa a se dissipar
quando se sabe que o salário (R$ 610)
acaba por ser suculento dada a miserabilidade da pátria.
Havia uma sensação difusa e obviamente superdimensionada, desde
que Luiz Inácio Lula da Silva ganhou
a eleição, no sentido de achar que a
questão social finalmente seria enfrentada. Dado o devido tempo, engenheiros virarem suco seria um fenômeno do passado.
A prioridade na discussão pública
passou, por extensão, a outras questões (câmbio, juros, superávit fiscal,
essas coisas todas que não têm nem
carne nem osso).
Choca mais ainda, por tudo isso, redescobrir ou ver reexposta a face miserável do país. Choca verificar que,
para cada Lula que saiu da pobreza
para o sucesso, há milhões que, ou
nunca saem do lugar, ou, pior ainda,
fazem percurso inverso.
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