São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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Reedição da chapa Lula-José Alencar comprova que, de 2002 para cá, o sistema partidário ficou ainda mais frágil

POUCAS VEZES um termo tão insípido e burocrático -a saber, o da "formalização", anunciada ontem, da candidatura Lula ao segundo mandato presidencial- adquiriu significado mais preciso e eloqüente.
Com efeito, na convenção do PT realizada em Brasília, neste sábado, tratava-se apenas de revestir com a necessária chancela legal uma postulação que, a cada evento público, a cada surto verborrágico ou silêncio comprometedor do presidente, estava colocada na prática desde o primeiro dia do seu governo.
A circunstância de que, à última hora, também o nome do candidato a vice se tenha repetido nessa chapa -depois de frustradas as tentativas de contar com representantes do PSB em vez do nome de José Alencar- intensifica, sem dúvida, a impressão de mesmice.
Paradoxalmente, a reedição da mesma chapa ilumina as diferenças, no que tange às expectativas políticas e ao cenário ideológico, entre a disputa de 2002 e a deste ano. Empresário e então membro do PL, José Alencar surgiu como vice, no pleito anterior, para afastar os temores de que o PT promovesse rupturas radicais com o sistema. Por ironia, foi tão ortodoxa a condução da política econômica no atual governo que viriam de José Alencar algumas das críticas mais acerbas ao modelo adotado.
As esperanças de renovação expressas na vitória de Lula em 2002 cederam lugar a um continuísmo acomodado, em que a figura pessoal do presidente paira como uma espécie de "pai dos pobres" acima de qualquer compromisso ideológico. O personalismo de sua postulação, cobrindo com uma espessa camada de auto-elogio sentimental a ruína ética e doutrinária do PT, duplica-se palidamente no constrangedor episódio dos amuos de José Alencar ao se ver preterido nas negociações iniciais em torno da próxima candidatura.
Pertencendo agora a um vago PRB, e não mais ao PL - entre cujos defeitos não estava a falta de nitidez nos objetivos e procedimentos cotidianos-, José Alencar queixou-se dos movimentos em direção a nomes do PSB na composição da chapa. Terminou convidado, já que a regra da verticalização impôs, ainda uma vez, embaraços às alianças partidárias pretendidas.
Nessa consternadora trama de desencontros e reconciliações, o peso do aspecto pessoal só ganha importância porque, nos últimos quatro anos, a cronicamente frágil estrutura partidária brasileira, e tudo o que pudesse apontar de diversidade no plano programático, soçobrou em meio a escândalos inauditos e ao fisiologismo de sempre. Leis excessivamente rígidas no plano eleitoral agravaram o quadro.
A discussão de projetos viáveis de reforma e de mudança parece ser o que menos conta na candidatura Lula e na de seu aguado rival. Com partidos e programas reduzidos a uma insignificância rara, mesmo para os padrões brasileiros, o jogo político se faz, assim, no âmbito menor das personalidades humanas, demasiado humanas, que o praticam.


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