|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUIZ FERNANDO VIANNA
Manoel foi pro céu
RIO DE JANEIRO - O garçom é o
melhor amigo do homem. Uma frase como essa pega até mal hoje em
dia, tempo que se julga saudável.
Mas, como diziam os antigos boêmios, não se faz amigo em leiteria.
Os bons garçons são testemunhas dessas amizades, confidentes, conselheiros, psicólogos, têm
uma paciência monástica. São amigos.
Manoel Beserra Mota era assim.
Morreu no domingo passado, aos
49 anos, de ataque cardíaco. Excesso de coração, provavelmente.
Reverenciá-lo aqui não se trata
de uma questão pessoal. Para tentar entender a dor e a delícia de viver no Rio de Janeiro, é preciso conhecer a Lapa, o cruzamento de
classes, gerações e sentimentos em
suas esquinas.
Para conhecer a Lapa, é fundamental conhecer o Nova Capela, salão da boemia tradicional, desdobramento do antigo Capela, criado
em 1923 em outro endereço e que
recebia Madame Satã e demais figuras míticas do bairro.
E, para conhecer bem o Nova Capela, sempre foi necessário sentar-se nas mesas muito bem servidas
por Manoel e por Cícero Rodrigues
Araújo. O primeiro tinha 24 anos de
casa. O segundo tem 20.
Na noite de quinta-feira, órfãos
de Manoel foram dividir suas mágoas com Cícero, que continha as
lágrimas ao se lembrar do amigo.
Nem todos os ouvintes conseguiram fazer o mesmo.
Como no samba feito de filho para pai, naquela mesa estava faltando ele e a saudade dele doía. Mas a
cerimônia do adeus não foi soturna. Seria ofensivo à alegria de Manoel.
Foi melhor lembrar de sua memória rigorosa (sabia as preferências de cada cliente) e da indiscrição divertida (dava aos presentes
notícias sobre os amigos ausentes).
Como disse um dos órfãos, era um
garçom que recebia as pessoas com
abraços. Gente assim faz falta. À Lapa, ao Rio, à humanidade.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Zero a zero Próximo Texto: Emílio Odebrecht: O Brasil e o Mercosul
Índice
|