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TENDÊNCIAS/DEBATES
Medidas restritivas a obras de arte
com teor político configuram censura?
SIM
Ação equivale a roubar o direito de pensar
ALEXANDRE DE MORAES
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais
de uma sociedade democrática e
compreende não só as publicações
consideradas inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também
aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a democracia somente
existe a partir da consagração do
pluralismo de ideias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do
espírito aberto ao diálogo.
A história demonstra que a liberdade de expressão tem lugar central na constitucionalização dos direitos fundamentais e, junto com a
universalização da educação e do
direito de sufrágio, como afirmado
por Thomas Jefferson, é um dos pilares do governo republicano.
Isso porque pretender suprimi-la
é tentar alcançar a proibição ao próprio pensamento, como afirmado
por Kant ("O poder que retira dos
homens a liberdade de expressar
publicamente seus pensamentos,
rouba também a liberdade de pensar") e, consequentemente, tentar
obter a unanimidade autoritária,
arbitrária e irreal.
A proteção constitucional engloba não só o direito de se expressar,
inclusive artisticamente, mas também o direito de ouvir, assistir, ler,
analisar e criticar publicações, inclusive repudiando aquelas caracterizadas por mensagens agressivas e de extremo mau gosto.
Exigir da 29ª Bienal que impedisse a exposição da série "Inimigos",
do artista plástico Gil Vicente, seria
autorizar a censura prévia e relembrar os tempos de Carlos 5º, em
1529, que estabeleceu tal medida a
todas publicações em território alemão, ou, ainda, do famoso "Index
Expurgatorius", de 1559.
No espaço público, lembra Hegel, devem coexistir todas as formas de verdade e de falsidade.
Não por outro motivo, a liberdade de manifestação de pensamento
é mais ampla que o direito de informar, pois "a primeira deve ser reconhecida inclusive aos mentirosos e
loucos, enquanto o segundo, diferentemente, deve ser objetivo, proporcionando informação exata e
séria" (Revel).
Obviamente que, assim como os
demais direitos fundamentais, o
exercício da liberdade de expressão
não é absoluto, sofrendo restrições
perante a análise de compatibilidade e razoabilidade com o conjunto
das previsões constitucionais, entre elas a proibição ao racismo e a
qualquer forma de preconceito, a
proteção à criança e ao adolescente, além da possibilidade de indenização por danos morais e à imagem, consagrando ao ofendido a
total reparabilidade em virtude de
prejuízos sofridos.
A constante reafirmação da livre
expressão de pensamento e de opinião constitui verdadeiro instrumento constitucional de garantia
da autodeterminação democrática
da sociedade, pois não se destina
somente à garantia da expressão
individual, mas também à garantia
do bom funcionamento e controle
do sistema político, com respeito ao
pluralismo de ideias e fortalecimento dos debates.
À sociedade, a Constituição garante a liberdade de expressão; ao
artista, o direito de expor suas
obras; ao público, o direito de aprová-las ou repudiá-las; aos ofendidos, o direito de pleitear indenização por danos morais; e ao Judiciário, o dever de verificar se houve
desrespeito à dignidade da pessoa
humana.
Essa é a força do Estado de Direito. Essa é a beleza da democracia.
ALEXANDRE DE MORAES é professor doutor e livre-docente de direito constitucional da USP. Foi
secretário estadual de Justiça de São Paulo (2002-05), membro do Conselho Nacional de Justiça e
secretário municipal de São Paulo de Transportes e
Serviços (gestão Kassab). É autor de "Direito
Constitucional" (ed. Atlas), entre outras obras.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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