São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Medidas restritivas a obras de arte com teor político configuram censura?

NÃO

A lei veda a liberdade absoluta

LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO

No Estado democrático de Direito, todos devem se curvar ao império da lei. Tenho insistido que, no Brasil, do Zé da Silva ao Luiz Inácio Lula da Silva, todos devem obediência à lei. Isto é o que sustenta a própria democracia, que comporta a diversidade, a pluralidade e o respeito ao semelhante.
Nosso povo entende bem isso, pois assevera que o direito de um vai até onde começa o direito do outro. É nesse contexto que coloco o tema da liberdade de expressão e o caso dos quadros de Gil Vicente na Bienal de São Paulo.
A nossa Constituição Federal acertadamente proíbe a censura, mas a ausência de censura não implica ausência de limites legais ou liberdade absoluta para tudo. Não se pode ,sob o manto da obra de arte, colocar-se acima da lei.
Explico. A liberdade de expressão, em seu processo criativo, não pode ter qualquer tipo de limite, enquanto na esfera privada, mas a exibição pública do resultado dessa liberdade de expressão tem que respeitar os limites da lei.
Exemplificando, fica fácil entender e aceitar isso, quando se verifica que não se permite a exibição de filmes pornográficos, com cenas de sexo explícito pela televisão, em canal aberto, durante as tardes. Aqui, inegavelmente há limitação na exibição da obra cinematográfica.
Vou mais longe. A ofensa irrogada contra alguém pode ensejar crime e punição ao autor. Caso o autor repita a ofensa em versos, nada muda. A forma poética não fará com que a ofensa seja mitigada ou desapareça.
Há peças teatrais que são exibidas em salas fechadas, teatros, nos quais não se permite a entrada de crianças. Ora, não é porque se trata de arte cênica que poderia ser exibida em praça pública, também para crianças.
Insisto que caso um pintor conceba uma tela na qual seja retratada a mãe de alguém, nua, inserida num bacanal, num prostíbulo, embora esse pintor possa concretizar essa obra, não lhe será permitido, impunemente, exibi-la publicamente. Isso não tem nada a ver com censura.
Aliás, é bom que se lembre, àqueles que bradam pela liberdade de expressão sem limites, que devem respeitar, em nome dessa mesma liberdade que defendem, o direito da opinião contrária.
Tenho visto manifestações de alguns poucos que asseveram que estou errado, desqualificando-me, negando-me o direito de opinar, debochando dos argumentos e decretando que qualquer opinião contrária a sua é censura. Esse debate é menor e não merece resposta.
Por entender que a Bienal de São Paulo é um espaço que recebe um público de massa -estima-se nessa edição 1 milhão de visitantes-, especialmente jovens em formação, entendo que a série "Inimigos" não deveria integrar essa mostra.
Isso por fazer apologia ao crime, atacar a dignidade dos representados e atentar contra as instituições democráticas, representada pelo presidente da República, entre outras figuras públicas internacionais, como o papa Bento 16.
Urge, portanto, realizarmos uma ampla discussão sobre os limites da liberdade de expressão no Brasil diante de obras que deseducam e pregam a intolerância aos direitos humanos.
Enquanto isso, o tema já foi encaminhado ao Ministério Público paulista para verificar a questão da apologia ao crime. Podem discordar de minha posição, mas não serei omisso em temas que tocam a defesa da cidadania e da democracia.


LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO, advogado criminalista, mestre e doutor em direito penal pela USP, é presidente da OAB-SP (seccional paulista do Ordem dos Advogados do Brasil). Também escreve poesias, desenha e pinta.

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