São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2001 |
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OTAVIO FRIAS FILHO Factóides
A realidade é o que resta das
previsões políticas depois de devastadas pelo imprevisto. Ou seja, é
quase inevitável que análises feitas hoje sobre a sucessão presidencial, por
exemplo, percam seu já duvidoso valor nos próximos meses. Ainda assim,
elas ajudam a pensar os panoramas
mais prováveis para 2002.
O slogan atribuído aos bastidores da
campanha do ministro Serra -continuidade sem continuísmo- pode ser
estendido aos demais postulantes
com chance real de vitória. Depois de
três eleições presidenciais livres desde
o fim do regime militar, o eleitorado se
mostra mais cético e cuidadoso, menos facilmente iludível.
Deve intuir, à sua maneira, o quanto
as restrições hoje em dia impostas pela
economia à política limitam a latitude
de opção do governante. E preza, conforme sugerem todas as pesquisas de
opinião, o estatuto de estabilidade
monetária e política que se firmou ao
longo da década de 90, o principal legado de FHC.
Se essa sensibilidade não se alterar, o
vetor da campanha presidencial será
uma desesperada corrida para o centro, com forte retórica de compromisso "social", mas centro. Todos tratarão de se distanciar da desgastada
imagem do governo há oito anos no
poder, mas com vistas a ocupar-lhe o
mesmo lugar no espectro.
Quando os candidatos não diferem
pela ideologia, numa assemelhação
que abarca até o PT, a tendência é pautar suas divergências por "propostas
concretas". O debate terá a pretensão
de ser "técnico", traduzido na vistosa
linguagem publicitária que se tornou
o centro da política contemporânea.
Os críticos têm razão de implicar
com essa política de "factóides", irrelevâncias e pirotecnias com intenso
apelo simbólico. É importante que seja criticada. Mas é um erro considerá-la um aspecto ornamental e secundário, como no passado, pois ela se tornou o próprio cerne da política na sociedade midiática.
Numa cultura dominada por imagens, a forma de comunicação do político profissional não é mais o palanque, o discurso, o programa, mas isso
que se passou a chamar entre nós de
"factóide". Quando compreendido e
decifrado, o "factóide" revela mais do
que mil debates supostamente programáticos.
Baseada no modelo de cobertura habitual, que se cristalizou ainda nos
anos 80, estará a mídia preparada para
traduzir um debate que vai se apresentar como "técnico" e "propositivo"? Estará equipada para ir mais
além da superficialidade do "factóide", não para ignorá-lo, mas para explicar o que oculta e revela?
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna. Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A dor de cada um Próximo Texto: Frases Índice |
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