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São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Devem-se extinguir as CCPs?

SIM

Conciliadores: os novos juízes classistas

FRANCISCO FAUSTO

A figura do juiz classista, extinta por emenda constitucional, cuidou de assegurar o seu retorno à solução das demandas, lançando sombras sobre a Justiça do Trabalho, a partir de uma idéia bem intencionada dos próprios ministros do Tribunal Superior do Trabalho.
As CCPs (Comissões de Conciliação Prévia) foram concebidas para desafogar os tribunais do excesso de processos, mas resultaram em instrumento de juízes leigos, cuja pressão sobre o Poder Legislativo impediu um controle mínimo de sua atuação, ao afastar os juízes trabalhistas das decisões finais de homologação de acordos. Por essa razão, defendo a extinção dessas comissões, ou, no mínimo, uma mudança radical na sua forma de atuação.
Proponho a instalação de juízos conciliatórios presididos pelos juízes trabalhistas ou que se torne obrigatória a homologação desses acordos das CCPs pela Justiça do Trabalho. As irregularidades e os abusos existentes nas comissões não oferecem outra perspectiva. Essa parece ser a melhor proposta de moralização. Se extintas as CCPs, a parte apresentaria a sua reclamação ao juiz conciliatório e, se não houvesse conciliação, o processo seria distribuído para outras varas do Trabalho. Transformadas numa espécie de justiça paralela, sem nenhuma fiscalização, elas têm caminho aberto para práticas eticamente inadmissíveis.
Tomei conhecimento de que, em São Paulo, há comissões que se instalam em gabinetes com placas nas portas, identificando-as como "tribunais de conciliação". Há conciliadores que chegam a receber R$ 50 mil por mês em outras regiões do país. Como só são remunerados quando é feito acordo entre as partes, eles forçam o acordo, quase sempre com enormes prejuízos para o trabalhador. A portaria que regulamentou precariamente as Comissões de Conciliação Prévia (baixada pelo então ministro do Trabalho Paulo Jobim) determina que elas não podem cobrar do trabalhador percentuais sobre o valor acordado. É uma balela, porque, em último caso, quem está pagando é o trabalhador. Isso funciona no seguinte esquema: se o empregador tem R$ 500 para dar ao trabalhador e tem de pagar R$ 100 de despesas processuais, ele só oferece R$ 400.
A portaria do ex-ministro do Trabalho, por outro lado, não comina pena nenhuma para quem comete irregularidade. A cobrança de percentuais pelos conciliadores sobre o valor da verba trabalhista estipulada no acordo está, de fato, proibida por portaria do ministro do Trabalho, porém não é respeitada, porque não estabelece punição.
Por essa razão, defendo o registro das CCPs no Ministério do Trabalho. Caso continuem com as irregularidades, que tenham o registro cassado. Esta seria a punição.
Como a Justiça do Trabalho não tem nenhuma ingerência nas CCPs, o TST hoje só pode exercer uma pressão política. O governo, porém, com suas prerrogativas, pode fazer mais, encaminhando ao Congresso um novo projeto de lei para a instalação de novas comissões, com a retomada da idéia original, que foi deturpada no Legislativo.
As comissões de conciliação não têm relação com a jurisdição do Estado exercida pela Justiça do Trabalho. Elas constituem uma nova forma de jurisdição extrajudicial. Assim, acredito que, se fosse retomado o projeto original que os ministros do TST imaginaram, sem dúvida nenhuma seria uma boa forma de ajudar na solução dos conflitos trabalhistas. Se isso não for possível, é preferível extinguir as comissões.
A moralização das conciliações prévias não interessa apenas aos trabalhadores. As atuais também acarretam prejuízos para a União. A Justiça do Trabalho arrecada, anualmente, aproximadamente R$ 700 milhões ou mais para a Previdência Social, e mais um punhado de reais para o Imposto de Renda. Essas comissões não arrecadam nada. Os descontos devidos estão sendo sonegados.
Há também que registrar outra distorção nas Comissões de Conciliação Prévia, que é o fato de as empresas encaminharem todas as rescisões contratuais de trabalho para serem homologadas. A lei não deu às comissões o poder de homologar rescisões contratuais; no entanto elas estão usurpando esse poder conferido aos sindicatos e às Delegacias Regionais do Trabalho, valendo-se, também, da eficácia liberatória, que impede que o trabalhador vá à Justiça.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por todo o seu envolvimento com a causa dos trabalhadores, tem obrigação moral de tomar uma providência de ordem prática e eficiente para acabar com as graves irregularidades que continuam ocorrendo na atuação das CCPs e que acarretam enormes prejuízos às já precárias relações trabalhistas no Brasil.


Francisco Fausto, 68, é o presidente do Tribunal Superior do Trabalho.


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