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São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Devem-se extinguir as CCPs?

NÃO

Eficiência, com ética e objetividade

LUIZ CARLOS DELBEN LEITE, ADILSON LUÍS SIGARINI e LUIZ MARINHO

A solução de conflitos na relação entre capital e trabalho é uma das principais tarefas das entidades representativas de trabalhadores e empresários. O conceito vale tanto no campo coletivo -negociação das convenções de trabalho- como no individual. Porém, desde os anos 40, os conflitos trabalhistas são remetidos à Justiça do Trabalho.
Mas, ao longo de todos esses anos, esse modelo de arbitragem tem se mostrado ineficaz. As cerca de mil varas do Trabalho existentes no país estão abarrotadas por mais de 2 milhões de causas trabalhistas movidas a cada ano -um volume assombroso. Todos os tipos de conflito são encaminhados a essas varas e a demora é inevitável: as reclamações levam cerca de dez anos para serem julgadas, trazendo toda a sorte de problemas tanto para reclamantes como para reclamados. E muitos desses conflitos poderiam ser resolvidos com rapidez por outros instrumentos de arbitragem.
A discussão sobre essas alternativas, inclusive a instituição da conciliação pré-judicial, não é nova no Brasil. O quase colapso da Justiça trabalhista, em 2000, resultou na lei 9.958/2000, que instituiu as Comissões de Conciliação Prévia. Desde então, inúmeras CCPs foram implantadas. Mas, lamentavelmente, muitas tiveram seus objetivos desvirtuados e se transformaram em casos de polícia. Sem dúvida, essas denúncias precisam ser apuradas com todo o rigor. Essas distorções, no entanto, não podem resultar no desmantelamento das CCPs como alternativa para construir formas modernas e eficientes de mediação do conflito, capazes de romper com os limites impostos pela falência da Justiça do Trabalho.
Pelo contrário. As mazelas apontadas devem servir para aprimorar ainda mais as experiências já positivas das CCPs. E elas são muitas. É o caso das comissões criadas a partir de convenções coletivas firmadas pela Federação dos Sindicatos de Metalúrgicos do Estado de São Paulo (FEM/CUT) e dois grupos empresariais do ramo: um que congrega todas as indústrias do grupo XIX-III da Fiesp (máquinas, eletroeletrônicos e material ferroviário, entre outras) e o de autopeças, forjarias e indústrias de parafusos.
Os objetivos que nortearam a sua criação são claros: não são órgãos homologadores de rescisão contratual; em hipótese nenhuma permitem o aviltamento de direitos garantidos por legislação ou por convenções coletivas de trabalho; não podem substituir o papel dos sindicatos. Além disso, as CCPs desses setores metalúrgicos (duas no ABC e uma em Sorocaba) não buscam firmar acordos a qualquer preço e muito menos cobram taxas do reclamante.
Tampouco elas remuneram os conciliadores com base em percentuais sobre acordos firmados. Mais ainda: em caso de conciliação prévia de trabalhador demitido, o procedimento negocial só é feito após a comprovação de que a sua homologação já foi realizada e de que as verbas rescisórias foram pagas. Em casos como este, são levadas às CCPs só as ressalvas e controvérsias que não têm relação com as verbas rescisórias ou direitos considerados garantidos.
As nossas comissões, portanto, são fruto de uma relação madura e séria, construída ao longo dos anos, entre trabalhadores e empresários, na qual a ética e a moralidade são conceitos consolidados e inatacáveis, mesmo considerando os interesses distintos que permeiam essa relação. Por isso, entendemos que as comissões que não seguem esses princípios devem ser combatidas com todo o rigor. Na verdade, elas se somam ao triste costume nacional de levar vantagens pessoais a qualquer custo, em detrimento de comportamentos éticos e transparentes.
Na nossa opinião, não se pode nem se deve cortar toda a árvore em função de alguns de seus frutos haverem apodrecido, como sugeriu o ministro Francisco Fausto, ao propor a extinção de todas as CCPs. Os exemplos do fechamento da Sudam e da Sudene, por conta de corrupção, são emblemáticos. Eles não resultam, necessariamente, em moralidade na gestão dos interesses públicos. Na verdade, a posição do presidente do TST representa um retrocesso no processo de modernização das relações trabalhistas. Um retrocesso que está orientado pelo corporativismo do Judiciário, que não quer admitir suas limitações e sua incapacidade na distribuição da Justiça no mundo do trabalho.
Queremos seriedade e queremos continuar avançando nas relações entre trabalhadores e empresários, sem jogar para baixo do tapete a sujeira que não foi limpa por uns poucos que não compreendem que a ética, a verdade e a moralidade são os fundamentos para dirimir qualquer conflito. Para nós, as CCPs são um passo adiante a fim de resolver os problemas da relação entre capital e trabalho dentro do próprio local de trabalho, diminuindo o poder normativo da Justiça do Trabalho -enquanto não se pode acabar de vez com ele-, um dos objetivos que norteiam nossa ação na reforma sindical e trabalhista em curso no Fórum Nacional do Trabalho.
A injustiça social herdada de nosso passado oligárquico e autoritário tem de ser vencida pela prática da negociação direta entre os atores sociais, que não precisam da tutela do Estado para estabelecer uma relação democrática na sociedade brasileira.


Luiz Carlos Delben Leite, 58, é presidente do Sindimaq (Sindicato Nacional da Indústria de Máquina). Adilson Luís Sigarini, 48, é diretor de relações trabalhistas do Sindipeças (Sindicato Nacional das Indústrias de Autopeças). Luiz Marinho, 44, é presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores).


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