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TENDÊNCIAS/DEBATES
Falsos mitos
MARCIO POCHMANN
Nas reformas liberalizantes da década de 1990, vários mitos foram construídos. A realidade, porém, tem desconstruído a maioria
O BRASIL não está condenado à
mediocridade, embora tenham sido dedicados esforços
não desprezíveis nesse sentido.
Exemplo disso foi a vertente do
pensamento liberal-conservador e
suas ações concretas que contribuíram enormemente para apequenar o
país. No auge das reformas liberalizantes da década de 1990, vários mitos foram construídos. Por si só, a realidade vem exercendo papel pedagógico dos mais importantes na desconstrução da maioria desses mitos.
Destacamos um conjunto de três relacionados à temática do trabalho.
Primeiro, teve relevância na reorientação das políticas públicas dos
anos 90 o falso mito da geração dos
inempregáveis, tendo em vista a dicotomia entre a perspectiva do determinismo tecnológico na supressão dos
postos de trabalho e o avanço na oferta de mão-de-obra. Por causa disso,
pregava-se que o setor industrial não
mais geraria emprego e o assalariamento estaria com os dias contados,
restando, em contrapartida, o salve-se quem puder pelo auto-emprego
(empreendedorismo) ou pelos cursos
de qualificação profissional.
À medida que o Brasil vai se distanciando da visão neoliberal, o emprego
assalariado volta a crescer, permitindo que o desemprego comece a diminuir. O país está longe do ideal, mas
não há por que deixar de acreditar
que o desemprego possa voltar às taxas inferiores a 3% da população economicamente ativa vigentes até a década de 1980, desde que nossa economia insista no ritmo de expansão acima dos 5% ao ano, acompanhado de
um novo padrão de políticas públicas.
Em segundo lugar, deve-se destacar o falso mito de que o salário mínimo em alta implicaria elevação do desemprego (fechamento de empresas)
e da informalidade das relações de
trabalho (ocupações sem carteira assinada) ou queda do salário real (aumento da inflação). Diferentemente
disso, percebe-se nos dias de hoje que
a marcha de contínua recuperação do
valor real do salário mínimo nacional
vem acompanhada da manutenção da
estabilidade monetária, queda do desemprego e da informalidade.
Constata-se também, ao contrário
da cantilena neoliberal, o inegável papel do salário mínimo na contenção
da desigualdade intersalarial no Brasil. Conforme os dados da Pnad 2006
(Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios), do IBGE, o rendimento
dos trabalhadores de salário de base
(intervalo do segundo ao quinto decis
da estrutura da distribuição da renda
do trabalho) foi o que mais cresceu
em 2006 -12,6%, contra 7,8% no rendimento do extrato superior.
Por fim, em terceiro lugar, ganhou
dimensão o falso mito a respeito do
anacronismo da legislação social e
trabalhista no Brasil. Além de antiga,
pois constituída na década de 1940, se
apresentava como um verdadeiro entrave ao avanço das relações de trabalho, pois suprimiria empregos e fomentaria a informalidade. Em síntese, a CLT era apontada pelos neoliberais de plantão como portadora do desemprego ou da ocupação precária.
Acontece que a cegueira situacional
em que se meteram os automatistas e
exclusivistas das forças de mercado
os impediu de constatar não só que as
medidas regulatórias do trabalho no
chamado mundo desenvolvido eram
ainda mais antigas que as do Brasil
mas também que as mudanças executadas mais recentemente haviam gerado a volta ao passado, com intensa
precarização e desigualdade entre os
trabalhadores, conforme atestam estudos internacionais produzidos pela
OIT (Organização Internacional do
Trabalho) e pela OCDE (Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Como não poderia deixar de ser, as
mais de duas dezenas de alterações
introduzidas na CLT voltadas para a
desregulação e a flexibilização do
mercado de trabalho produziram o
óbvio: perdas irreparáveis para a
maioria daqueles que dependem do
seu próprio trabalho para sobreviver.
Desde o afastamento do assédio liberal-conservador, que torna menos
intensa a pressão pelo desmanche da
legislação social e trabalhista, o mercado de trabalho reage menos desfavoravelmente aos trabalhadores.
Não somente o emprego formal é o
que mais cresce no país desde 2003
(4% em média ao ano) como também
permitirá ultrapassar o estágio da estruturação do mercado de trabalho
atingida na década de 1980, caso a
economia continue a perseguir o ritmo de expansão acima dos 5% ao ano.
Assim como a quantidade do emprego depende da expansão da produção, com função determinante da política macroeconômica, a qualidade
das ocupações está relacionada diretamente ao desafio da construção de
um modelo econômico associado à
nova regulação pública do trabalho.
MARCIO POCHMANN, 45, economista, é presidente do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp.
Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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