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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Natal e a construção da paz
CLÁUDIO HUMMES
Ansiamos por um mundo de paz
duradoura. Ousamos pensar, na
passagem do milênio, que -quem sabe, por um milagre surpreendente- o
novo milênio, o novo século, trouxesse
a paz desejada. O mundo globalizado e
interativo poderia tornar-se uma real
oportunidade de paz e de mútua compreensão entre os povos e os indivíduos.
Uma nova cultura poderia desenvolver-se, uma cultura da solidariedade, da colaboração pacífica entre as nações, do
desenvolvimento integral de todas as
gentes, sem exceção. Para essa meta já
temos suficiente ciência, tecnologia e recursos materiais disponíveis.
Mas não! As guerras continuam a persistir. Os atentados terroristas de 11 de
setembro devolveram-nos à dura realidade humana. Ao lado da característica
execrável e extremamente desumana
dos atentados, mostrou-se também a
ironia das coisas, ou seja, enquanto a
maior potência mundial planejava
construir um escudo espacial contra
mísseis intercontinentais, os agentes do
terrorismo internacional penetraram
naquele país como imigrantes ou turistas para preparar e realizar ali seu atentado, que mudou o mundo, usando
apenas aviões cheios de gasolina e de
passageiros inocentes e indefesos,
transformando-os em bombas devastadoras e inauditamente cruéis. A guerra
subsequente para caçar e responsabilizar os possíveis autores e mandantes do
atentado traz consigo todas as características principais de outras guerras.
Com certeza o mundo tem direito de
se defender do terrorismo. A questão é
como fazê-lo sem prejudicar inocentes.
Deveríamos usar primeiro, até o esgotamento, a negociação, o diálogo, a diplomacia e a busca da prisão e da responsabilização judicial dos responsáveis por
terrorismo, bem como medidas severas
de pressões não-bélicas para desestimular os países e os indivíduos que dão suporte ao terror.
Também não há dúvida de que a paz
se constrói sobre a justiça. O respeito
aos direitos de todos os povos, a criação
de condições reais e concretas para que
todas as nações, sem exceção, possam
realizar seu desenvolvimento integral e
a promoção da justiça e da solidariedade nas relações internacionais e dentro
das nações entre ricos e pobres, tudo isso é um programa necessário, a ser realizado com urgência, se quisermos
construir uma paz duradoura. Nações e
indivíduos que não vêem nenhum futuro diante de si, que se percebem excluídos e esquecidos de todos, geralmente
reagem de uma ou outra forma, pois
têm pouco ou nada a perder.
Celebrando mais uma vez o Natal de
Jesus Cristo, diante da conjuntura mundial de uma guerra, imprevisível em sua
duração e extensão, contra o terrorismo, junto de outras situações conflituosas e bélicas, como entre Israel e os palestinos e as guerras na África, acrescentando-se as violências urbanas e sociais,
enfim, diante de um mundo apreensivo
e angustiado com tantos conflitos e
agressões, convém meditar a mensagem orientadora daquele que foi chamado o príncipe da paz, o nascido na
gruta de Belém. Seu nascimento foi saudado pelos anJos a cantar: "Glória a
Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de boa vontade (segundo
outra tradução: aos homens por ele
amados)" (Lc 2,14). Paz na terra aos homens de boa vontade! A boa vontade é
exigência primordial para construir a
paz. É preciso querer tenazmente construí-la.
A paz de que fala Cristo está, justamente, baseada na justiça, no direito, no
respeito mútuo, na solidariedade, no
acolhimento da alteridade, no amor e
no perdão. Ele disse: "Dou-vos um novo
mandamento: que vos ameis uns aos
outros. Como eu vos amei, amai-vos
também uns aos outros. Nisso reconhecerão todos que sois meus discípulos, se
tiverdes amor uns pelos outros" (Jo 13,
34-35). Mais adiante ele diz: "Ninguém
tem maior amor do que aquele que dá
sua vida pelos que ama" (Jo 15, 13). Ele
chegou a dizer: "Ouvistes o que foi dito:
olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem
mau; antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe também a esquerda"
(Mt 5, 38-39). Só assim se rompe o círculo da violência. E disse mais: "Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo
e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos
digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mt 5, 43-44).
Num outro momento, ele declara: "Vós
sois todos irmãos" (Mt 23, 8).
Paz na terra aos homens de boa vontade! A boa vontade é exigência primordial para construir a paz
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Mas Jesus não apenas ensinou, sobretudo praticou o que ensinou. Passou a
vida fazendo o bem, diz o Evangelho.
Solidarizou-se com os pobres, os excluídos e os aflitos de todo tipo. Curou os
doentes, perdoou os pecadores e até
mesmo seus algozes na cruz, acolheu a
todos e, por fim, deu sua vida para a salvação do mundo, concretizando o que
havia ensinado, ou seja, que ninguém
tem maior amor do que aquele que dá
sua vida pelos que ama.
A Arquidiocese de São Paulo -e com
ela as demais três dioceses que ocupam
o território do município de São Paulo,
a saber, as dioceses de Santo Amaro,
Campo Limpo e São Miguel Paulista-,
reavaliando sua prática do amor, que Jesus ensinou com a palavra e o exemplo,
realizou durante este ano -e continuará no próximo ano- um seminário da
caridade, no qual faz um levantamento
de todas as suas obras sociais e caritativas, todas as suas iniciativas concretas
de solidariedade para com os pobres,
para avaliar se elas são suficientes, se
adotam metodologia eficaz, se respondem aos apelos atuais dos pobres da cidade de São Paulo. Com a ajuda de diversas universidades e da prefeitura
municipal, elabora os mapas da pobreza, em especial os mapas da exclusão/
inclusão social, da fome, do trabalho
(formal e informal), da saúde, da moradia, da educação, da violência, da criança e adolescente, para verificar como a
igreja está presente e como deveria estar
atuando nessas áreas.
Queremos, assim, colaborar no desenvolvimento de uma cultura da solidariedade e da caridade, que deve estar
na base da construção de uma paz duradoura.
Dom Cláudio Hummes, 67, é cardeal-arcebispo
metropolitano de São Paulo. Foi arcebispo de
Fortaleza (CE) e bispo de Santo André (SP).
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