São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2001 |
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Receita de Natal
FREI BETTO
Assim, a Bíblia quer mostrar que, de alguma forma, a revelação divina perpassa todos esses sinais, simbolismos, arquétipos, fatores culturais e espirituais que existem na história dos povos. E são utilizados no relato evangélico para anunciar: o menino Jesus é o filho de Deus entre nós. Francisco de Assis sugeria que, no Natal, distribuíssemos carnes a todos, pois nessa noite celebramos o grande acontecimento histórico: "O Verbo se fez carne..." Dizia ainda Francisco que deveríamos espalhar sementes pelos campos, distribuir alpiste aos pássaros, dar comida aos pobres e nos presentear mutuamente, num gesto sacramental de que, nessa noite, Deus se fez presente entre nós. Assim, o presente que nos damos uns aos outros reproduz sacramentalmente o presente que Deus, nosso pai e nossa mãe, nos dá em nosso irmão Jesus. A noite de Natal é de alegria para quem sente no coração o eco divino. E de tristeza quando o coração busca essa ressonância e não encontra. Ainda que nos encham de presentes, de comidas e de bebidas, fica um vazio, uma ponta de tristeza. Mas esse travo não é de todo negativo. É o sinal de que temos fome de Deus, de que ainda perdura em nós a voracidade pelo transcendente. Essa melancolia que nos acomete na época do Natal, como se algo estivesse faltando, malgrado as comemorações e os presentes, é o apetite espiritual não saciado. De fato, andamos em busca de um grande presente, o amor que sacia o coração. Queremos nos abrir, não para que Papai Noel entre por nossas janelas, mas para que o divino irrompa em nossas vidas. Para quem vai celebrar o Natal, pode-se escolher entre duas receitas. Receita para fazer uma festa: tomar um punhado de gente, misturá-lo em torno de uma grande mesa, acrescentar comida e bebida sem sabor de comunhão, agitar com bastante música, rechear com muitos presentes e servir, como se fosse Natal, essa festa como outra qualquer. Receita para fazer um Natal: tomar um grupo de irmãos ligados pela mesma fé, unidos numa única esperança. Juntar Cristo a eles. Deixar fermentar até nascerem o homem e a mulher novos. Servir evangelicamente a quem tem fome e sede de justiça. Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 56, é escritor e assessor de movimentos pastorais e sociais, autor da biografia de Jesus "Entre todos os homens" (Ática), entre outros livros. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Cláudio Hummes: O Natal e a construção da paz Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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