São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

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Natal da mamata

Generosidade, mas para eles mesmos; tolerância, mas para seus abusos: o espírito de fim de ano é peculiar entre os políticos

O SENTIMENTO da generosidade, assim como certa propensão à intemperança, tradicionalmente se intensificam nos festejos de Natal e Réveillon. No mundo político brasileiro, onde o clima de feriado, de auto-indulgência e de relaxamento se estende ao longo do ano todo, estas semanas de dezembro registraram sinais conspícuos de exacerbação do espírito natalino.
Do alto ao baixo clero, a atitude adquire características a meio caminho entre o cômico e o perverso. Generosidade, sim: mas para eles próprios. Tolerância e bonomia, é certo: no trato dos sanguessugas. Emotividade à solta, isso existe: nos banquetes em palácio e nas sessões do Conselho de Ética. Confraternização, nada melhor: entre Lula e Maluf, por exemplo, nos entendimentos com vistas à formação da base parlamentar.
Ao trenó dos 91% -cujo passeio escandaloso foi, felizmente, interrompido até segunda ordem por decisão do STF-, engataram-se tentativas de aumentos salariais nas assembléias da grande maioria das unidades da Federação. Em Mato Grosso do Sul, votou-se uma pensão vitalícia para ex-governadores, assegurando a Zeca do PT o que se pode chamar de um feliz Natal e um próspero Ano Novo.
É o mais recente beneficiário de uma ampla manjedoura -se cabe o tom ímpio da comparação- na qual já se apascentam, sem alarido, ex-governadores de 17 Estados brasileiros.
No caso de Mato Grosso do Sul, a intemperança não foi apenas financeira (está orçado em R$ 21,1 mil o mensalão "post facto" de Zeca do PT), mas também verbal. "É melhor o Estado proteger o ex-governador do que ele ter de fazer pé-de-meia", declarou, num raciocínio esfarrapado, o deputado estadual Semy Ferraz.
Enquanto isso, lobbies da sociedade civil fazem roda em torno da vacilante -tantos os seus penduricalhos- árvore de Natal em que se transformou o Orçamento da União. Representantes dos esportes e da classe artística pressionam por incentivos fiscais. Cada um reivindica mais para si mesmo, sem que ninguém se preocupe com a racionalidade econômica do conjunto da obra.
Dentro desse quadro, também o aumento do salário mínimo, de R$ 350 para R$ 380, decidido na semana passada pelo presidente Lula, não deixa de refletir o espírito festivo do momento.
Numa conjuntura em que escasseiam verbas para investimento -das quais depende a aceleração do ritmo, hoje haitiano, do crescimento econômico brasileiro-, cobra-se em mais desemprego e estagnação todo benefício que se concede sem real respaldo orçamentário.
Na demagogia ou no cinismo deslavado dos festejos legislativos, prolonga-se uma crença: a da permanente tolerância dos brasileiros em, haja o que houver, pagar a conta no final. A resposta veemente dos cidadãos ao aumento salarial dos congressistas talvez indique uma reação a esse estado de coisas; seria este, sem dúvida, o melhor presente que a sociedade poderia dar a si mesma a partir de agora.


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