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Natal da mamata
Generosidade, mas para eles mesmos; tolerância, mas para seus abusos: o espírito de fim de ano é peculiar entre os políticos
O SENTIMENTO da generosidade, assim como
certa propensão à intemperança, tradicionalmente se intensificam nos
festejos de Natal e Réveillon. No
mundo político brasileiro, onde
o clima de feriado, de auto-indulgência e de relaxamento se estende ao longo do ano todo, estas
semanas de dezembro registraram sinais conspícuos de exacerbação do espírito natalino.
Do alto ao baixo clero, a atitude
adquire características a meio
caminho entre o cômico e o perverso. Generosidade, sim: mas
para eles próprios. Tolerância e
bonomia, é certo: no trato dos
sanguessugas. Emotividade à
solta, isso existe: nos banquetes
em palácio e nas sessões do Conselho de Ética. Confraternização, nada melhor: entre Lula e
Maluf, por exemplo, nos entendimentos com vistas à formação
da base parlamentar.
Ao trenó dos 91% -cujo passeio escandaloso foi, felizmente,
interrompido até segunda ordem por decisão do STF-, engataram-se tentativas de aumentos
salariais nas assembléias da
grande maioria das unidades da
Federação. Em Mato Grosso do
Sul, votou-se uma pensão vitalícia para ex-governadores, assegurando a Zeca do PT o que se
pode chamar de um feliz Natal e
um próspero Ano Novo.
É o mais recente beneficiário
de uma ampla manjedoura -se
cabe o tom ímpio da comparação- na qual já se apascentam,
sem alarido, ex-governadores de
17 Estados brasileiros.
No caso de Mato Grosso do Sul,
a intemperança não foi apenas financeira (está orçado em R$ 21,1
mil o mensalão "post facto" de
Zeca do PT), mas também verbal. "É melhor o Estado proteger
o ex-governador do que ele ter de
fazer pé-de-meia", declarou,
num raciocínio esfarrapado, o
deputado estadual Semy Ferraz.
Enquanto isso, lobbies da sociedade civil fazem roda em torno da vacilante -tantos os seus
penduricalhos- árvore de Natal
em que se transformou o Orçamento da União. Representantes
dos esportes e da classe artística
pressionam por incentivos fiscais. Cada um reivindica mais
para si mesmo, sem que ninguém se preocupe com a racionalidade econômica do conjunto
da obra.
Dentro desse quadro, também
o aumento do salário mínimo, de
R$ 350 para R$ 380, decidido na
semana passada pelo presidente
Lula, não deixa de refletir o espírito festivo do momento.
Numa conjuntura em que escasseiam verbas para investimento -das quais depende a
aceleração do ritmo, hoje haitiano, do crescimento econômico
brasileiro-, cobra-se em mais
desemprego e estagnação todo
benefício que se concede sem
real respaldo orçamentário.
Na demagogia ou no cinismo
deslavado dos festejos legislativos, prolonga-se uma crença: a
da permanente tolerância dos
brasileiros em, haja o que houver, pagar a conta no final. A resposta veemente dos cidadãos ao
aumento salarial dos congressistas talvez indique uma reação a
esse estado de coisas; seria este,
sem dúvida, o melhor presente
que a sociedade poderia dar a si
mesma a partir de agora.
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