|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Um Natal em Amarante
ESTA É uma história de meu
avô, acontecida há mais de
cem anos. Nordestino andante desses que viveu em muitos lugares, desde Valença, no Piauí, passando pelo Ingá do Bacamarte, na
Paraíba, até acalmar-se no Maranhão, onde fez roças, enfrentou
malárias e teve até um neto que foi
presidente da República.
Passou um tempo de sua vida em
Amarante, tradicional cidade do
Piauí, plantada à beira do rio Parnaíba, que ali corre com suas águas
preguiçosas, que mereceram do
notável poeta Da Costa e Silva a
imagem "de um velho monge, de
barbas brancas alongando".
Não falo de Amarante de Portugal, cidade onde começa Trás dos
Montes, nas montanhas de pedra
entre o Minho e o Alto Douro, com
registros arqueológicos como a
Lapa do Beirão, Lugar do Castelo,
as Meninas dos Castros, os Caminhos do Mouro, esses belos nomes
que os portugueses vindos para o
Brasil trouxeram no coração e na
saudade.
Um destes subiu o rio Parnaíba e
fundou a Vila do Amarante, que lá e
cá tem a devoção de São Gonçalo, o
mais popular dos santos portugueses, depois de Santo Antônio e São
João, conhecido como São Gonçalo
das Moças, santo folgazão, cantador e violeiro, casador das velhas e
precursor do Viagra, pois protegia
todos os que eram fracos para a
carne. Até hoje, em Portugal, na
sua devoção se puxa, pelo cordão
da batina, a sua "relíquia", que tem
poder mágico contra a gravidade.
Foi na Amarante piauiense que
meu avô, comerciante, reuniu os
quitandeiros para fazer um Natal
de arromba, mandando buscar em
Portugal vinhos Moscatel, Madeira
M e R, barricas de vinho verde, bacalhau, castanhas, nozes, sardinhas, queijos, chouriços e maçãs.
Fizeram a propaganda e organizaram -todo o comércio- um
grande Natal. Com antecedência
de meses pela longa viagem, a mercadoria desembarcaria em Parnaíba, perto de Luís Correia, numa
lancha gaiola, e subiria o rio até
Amarante.
Por artes do diabo a mercadoria
não chegava, o rio secava e os pagamentos já estavam feitos. O Natal
programado ameaçava fracassar e
quebrar o comércio, pois, passadas
as festas, as mercadorias ficariam
encalhadas.
Que fazer para evitar a bancarrota? João Pereira deu a solução: pedir ao vigário que adiasse o Natal.
Foram ao pároco e expuseram o
plano, o padre foi solidário... O Natal foi adiado e o menino Jesus só
chegou a Amarante quando atracou com o vinho do Porto, o bacalhau e as guloseimas natalinas.
E assim, uma vez, o menino Jesus retardou sua chegada ao mundo e mataram o galo antes da missa.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Confissão de Natal Próximo Texto: Frases
Índice
|