São Paulo, sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

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RUY CASTRO

Confissão de Natal

RIO DE JANEIRO - Fumar, como se sabe, é uma das piores coisas que podem acontecer a um ser humano. Destrói a vida de quem fuma; destrói também a de quem não fuma, se o dito não fumante ficar ao alcance dos tóxicos letais; e, pior ainda, leva o fumante a descer de sua estatura moral e roubar cinzeiros de hotéis e restaurantes.
Se este parece um delito menor, considere que o sujeito que começa roubando cinzeiros pode evoluir e passar a assaltar o cofre-porquinho do caçula, a caixinha dos garçons do botequim e até o fundo de pensão de um instituto ou estatal.
Eu próprio, como todo fumante, cometi meus crimes. É verdade que o primeiro cinzeiro de que me apossei foi sem querer -um lindo cinzeiro de vidro trabalhado do hotel Algonquin, de Nova York, onde me hospedei por 40 dias em 1974. Ao chegar em casa e abrir as malas, achei o cinzeiro entre a roupa suja. Quero crer que tenha ido parar ali por engano, eu não me rebaixaria etc. Como nunca o devolvi, equivale a tê-lo roubado.
Ao fumar você não apenas se corrompe, como corrompe os amigos. O fotógrafo David Zingg me disse que ia a trabalho a San Francisco, Califórnia, e perguntou se eu queria alguma coisa. "Sim", respondi, "quero um cinzeiro do Ernie's, o restaurante em que James Stewart vê Kim Novak pela primeira vez em "Um Corpo Que Cai", do Hitchcock". Não sei o que David fez, mas, um mês depois, o cinzeiro do Ernie's estava na minha mesa.
Há dez anos, afanei um cinzeiro do Café de Paris, na Via Veneto, em Roma, cenário de "A Doce Vida", de Fellini, na vã esperança de que Marcello Mastroianni tivesse apagado nele um dos 400 cigarros que fuma no filme. E, vida afora, ponha outros cinzeiros nisso. Por sorte parei de fumar em 2005, antes de tentar meter a mão na aposentadoria de velhos e inocentes pensionistas.


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