|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Confissão de Natal
RIO DE JANEIRO - Fumar, como
se sabe, é uma das piores coisas que
podem acontecer a um ser humano.
Destrói a vida de quem fuma; destrói também a de quem não fuma,
se o dito não fumante ficar ao alcance dos tóxicos letais; e, pior ainda,
leva o fumante a descer de sua estatura moral e roubar cinzeiros de hotéis e restaurantes.
Se este parece um delito menor,
considere que o sujeito que começa
roubando cinzeiros pode evoluir e
passar a assaltar o cofre-porquinho
do caçula, a caixinha dos garçons do
botequim e até o fundo de pensão
de um instituto ou estatal.
Eu próprio, como todo fumante,
cometi meus crimes. É verdade que
o primeiro cinzeiro de que me apossei foi sem querer -um lindo cinzeiro de vidro trabalhado do hotel
Algonquin, de Nova York, onde me
hospedei por 40 dias em 1974. Ao
chegar em casa e abrir as malas,
achei o cinzeiro entre a roupa suja.
Quero crer que tenha ido parar ali
por engano, eu não me rebaixaria
etc. Como nunca o devolvi, equivale
a tê-lo roubado.
Ao fumar você não apenas se corrompe, como corrompe os amigos.
O fotógrafo David Zingg me disse
que ia a trabalho a San Francisco,
Califórnia, e perguntou se eu queria
alguma coisa. "Sim", respondi,
"quero um cinzeiro do Ernie's, o
restaurante em que James Stewart
vê Kim Novak pela primeira vez em
"Um Corpo Que Cai", do Hitchcock".
Não sei o que David fez, mas, um
mês depois, o cinzeiro do Ernie's
estava na minha mesa.
Há dez anos, afanei um cinzeiro
do Café de Paris, na Via Veneto, em
Roma, cenário de "A Doce Vida", de
Fellini, na vã esperança de que
Marcello Mastroianni tivesse apagado nele um dos 400 cigarros que
fuma no filme. E, vida afora, ponha
outros cinzeiros nisso. Por sorte parei de fumar em 2005, antes de tentar meter a mão na aposentadoria
de velhos e inocentes pensionistas.
Texto Anterior: Brasília - Valdo Cruz: Peso e contrapeso Próximo Texto: José Sarney: Um Natal em Amarante Índice
|