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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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GUERRA INSENSATA

Todas as guerras têm algo de insensato, mas a provável ação militar dos EUA contra o Iraque parece ultrapassar vários outros conflitos no que diz respeito a esse quesito.
A ação contra o Iraque se inscreve no quadro mais amplo da guerra contra o terrorismo, deflagrada depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. O problema é que não existe nenhum indício ligando o regime de Bagdá à rede terrorista Al Qaeda, de Osama bin Laden. A chamada guerra contra o terrorismo pode ser qualificada como uma movimentação defensiva legítima dos EUA, mas, para permanecer legítima, precisa ser dirigida contra os verdadeiros responsáveis pelo 11 de setembro, e não contra qualquer povo que fale árabe e tenha desavenças com Washington.
A questão das armas de destruição em massa, à qual a Casa Branca tem dado ênfase, também parece pouco sólida. Os inspetores de armas da ONU ainda não anunciaram ter encontrado provas cabais de que o Iraque mantenha programas para construir armas químicas, biológicas ou nucleares, o que representaria uma violação ao armistício de 1991, após a Guerra do Golfo, quando Bagdá se comprometeu a eliminar esse tipo de armamento. Os inspetores pedem mais tempo para realizar seu trabalho. Parece um completo despropósito não lhes conceder esse tempo. Se a causa levantada pelos EUA é justa, Washington pode perfeitamente esperar mais alguns meses.
Na verdade, nenhum analista militar mais sério considera que Saddam Hussein represente uma ameaça iminente. Desde a derrota na Guerra do Golfo, o ditador iraquiano procura manter-se com um perfil discreto. Ele sabe que os EUA, cujas tropas nunca abandonaram o golfo Pérsico, precisam apenas de um pretexto para escorraçá-lo do poder e não parece muito disposto a fornecê-lo.
É claro que Saddam é um ditador cruel e que sua queda seria muito bem-vinda, mas o fato de ele ser um tirano não pode constituir um "casus belli", que justifique sua deposição por um governo estrangeiro. Existem várias dezenas de ditadores atuantes no mundo. Se toda ação bélica visando a removê-los for considerada legítima e legal, pode-se dar adeus à idéia de direito internacional.
Seria, contudo, uma tolice acreditar que Bush vai à guerra sem razões para tanto. O problema é que seus motivos não são exatamente "confessáveis". O Iraque possui gigantescas reservas de petróleo que são particularmente tentadoras num momento em que os EUA parecem dispostos a reduzir sua dependência da Arábia Saudita. Mais do que isso, ao lançar-se numa expedição bélica mesmo contra a opinião de aliados tão importantes como França e Alemanha, Bush sinaliza para o mundo que os EUA são a única potência e que estão dispostos a exercer sua hegemonia.
O problema da aventura militar de Bush é que ela não ocorre sem custos. Ela pode terminar por lançar o mundo numa grande recessão e desestabilizar ainda mais o Oriente Médio. Mais importante, porém, é que haverá perda de vidas de civis iraquianos, que são tão inocentes quanto os norte-americanos mortos nos atentados de 11 de setembro.


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