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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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REMÉDIO ERRADO

A imagem do povo brasileiro como um filho seu, usada algumas vezes pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, voltou num comentário sobre o aumento de juros determinado pelo Banco Central na primeira reunião sob o seu governo.
Ao tentar justificar a alta dos juros, Lula comparou a decisão a um remédio que não cura, mas que não pode ser abandonado. Ao retirar um filho dos cuidados do médico que emprega receita errada, Lula disse que pode ser necessário "dar o mesmo medicamento que foi a razão pela qual você tirou a criança do médico".
É difícil encontrar lógica na metáfora presidencial, mas ela é sintoma de um impasse maior, que fragiliza o conjunto da política econômica.
O sistema de metas inflacionárias é mais flexível que a âncora cambial, mas é ainda uma tentativa de colar a inflação num indicador nominal. A expressão técnica usada pelos economistas para descrever esse projeto é "coordenação de expectativas".
Ao mesmo tempo, o principal preço da economia, a taxa de câmbio, não apenas flutua como tende a se desvalorizar. A crise cambial só não é ainda mais grave porque o FMI garante o financiamento do balanço de pagamentos brasileiro.
Ora, é temerário apostar na convergência da inflação para um valor nominal prefixado se o mesmo modelo admite, ao mesmo tempo, a desvalorização cambial. O remédio, elevar os juros, não funciona, pois o BC é incapaz de estabilizar o câmbio.
Ao contrário, a alta dos juros acompanhada de desvalorização cambial tende a elevar a relação entre dívida pública e PIB. Para os credores dessa dívida, os riscos de financiar o devedor são crescentes.
Entre os que elogiaram o aumento de meio ponto nos juros básicos na semana passada, o argumento não era sobre seu efeito na inflação, mas sobre a sua suposta contribuição para dar credibilidade ao novo governo ou demonstrar a independência do BC diante de pressões políticas.
Ora, como dar crédito a um devedor que se dispõe a pagar taxas de juros cada dia mais incompatíveis com sua capacidade de pagamento?
Entre os estudiosos das finanças, essa armadilha é conhecida como "esquema Ponzi" (homenagem ao especulador de Boston que captou recursos assim até quebrar). A partir de certo ponto, os juros altos apenas aumentam o risco de inadimplência.
A atual política econômica não tem como garantir a convergência de expectativas cambiais e depende de uma estratégia ainda incerta para garantir que terá fôlego e instrumentos para arrancar da sociedade os recursos para pagar tantos juros.
Em vez de colocar o ajuste fiscal como prioridade absoluta e assim abrir caminho para a queda dos juros, o governo Lula repete o círculo vicioso em que, sem um ajuste estrutural, é a alta dos juros que o obriga a cortes de gastos e casuísmos na arrecadação, correndo atrás do desequilíbrio.
O combate à inflação é um compromisso que deve atravessar governos. Mas dar ao paciente febril um remédio que, além de ineficaz, lhe retira forças é uma contradição que, cedo ou tarde, o próprio mercado se encarregará de repelir.


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