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REMÉDIO ERRADO
A imagem do povo brasileiro
como um filho seu, usada algumas vezes pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, voltou num comentário sobre o aumento de juros determinado pelo Banco Central na primeira reunião sob o seu governo.
Ao tentar justificar a alta dos juros,
Lula comparou a decisão a um remédio que não cura, mas que não pode
ser abandonado. Ao retirar um filho
dos cuidados do médico que emprega receita errada, Lula disse que pode
ser necessário "dar o mesmo medicamento que foi a razão pela qual você tirou a criança do médico".
É difícil encontrar lógica na metáfora presidencial, mas ela é sintoma
de um impasse maior, que fragiliza o
conjunto da política econômica.
O sistema de metas inflacionárias é
mais flexível que a âncora cambial,
mas é ainda uma tentativa de colar a
inflação num indicador nominal. A
expressão técnica usada pelos economistas para descrever esse projeto
é "coordenação de expectativas".
Ao mesmo tempo, o principal preço da economia, a taxa de câmbio,
não apenas flutua como tende a se
desvalorizar. A crise cambial só não é
ainda mais grave porque o FMI garante o financiamento do balanço de
pagamentos brasileiro.
Ora, é temerário apostar na convergência da inflação para um valor nominal prefixado se o mesmo modelo
admite, ao mesmo tempo, a desvalorização cambial. O remédio, elevar
os juros, não funciona, pois o BC é
incapaz de estabilizar o câmbio.
Ao contrário, a alta dos juros acompanhada de desvalorização cambial
tende a elevar a relação entre dívida
pública e PIB. Para os credores dessa
dívida, os riscos de financiar o devedor são crescentes.
Entre os que elogiaram o aumento
de meio ponto nos juros básicos na
semana passada, o argumento não
era sobre seu efeito na inflação, mas
sobre a sua suposta contribuição para dar credibilidade ao novo governo
ou demonstrar a independência do
BC diante de pressões políticas.
Ora, como dar crédito a um devedor que se dispõe a pagar taxas de juros cada dia mais incompatíveis com
sua capacidade de pagamento?
Entre os estudiosos das finanças,
essa armadilha é conhecida como
"esquema Ponzi" (homenagem ao
especulador de Boston que captou
recursos assim até quebrar). A partir
de certo ponto, os juros altos apenas
aumentam o risco de inadimplência.
A atual política econômica não tem
como garantir a convergência de expectativas cambiais e depende de
uma estratégia ainda incerta para garantir que terá fôlego e instrumentos
para arrancar da sociedade os recursos para pagar tantos juros.
Em vez de colocar o ajuste fiscal como prioridade absoluta e assim abrir
caminho para a queda dos juros, o
governo Lula repete o círculo vicioso
em que, sem um ajuste estrutural, é a
alta dos juros que o obriga a cortes de
gastos e casuísmos na arrecadação,
correndo atrás do desequilíbrio.
O combate à inflação é um compromisso que deve atravessar governos. Mas dar ao paciente febril um
remédio que, além de ineficaz, lhe
retira forças é uma contradição que,
cedo ou tarde, o próprio mercado se
encarregará de repelir.
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