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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Agenda nacional

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

A reforma da Previdência Social é necessária, e a orientação que lhe está dando o novo governo, correta. Entretanto ela não é tão prioritária quanto a imprensa está deixando transparecer por meio da grande cobertura que lhe está dando, pois seus efeitos só se materializarão a médio prazo e, diferentemente do que se afirma, não é uma condição para que se alcance o equilíbrio macroeconômico.
Aceitar a absoluta prioridade das reformas é aceitar a agenda que Washington e Nova York nos propõem desde os anos 80. É o país ser incapaz de formular sua própria agenda. As reformas institucionais -e entre elas, principalmente, a da Previdência- são uma condição da modernidade brasileira, mas existem questões mais urgentes.
Considerando os compromissos de campanha e a instabilidade macroeconômica, creio que sejam duas as prioridades do novo governo: levar adiante o programa Fome Zero e começar a reduzir firmemente a taxa básica real de juros para níveis compatíveis com a classificação de risco do Brasil.
Sem lograr reduzir a taxa de juros e manter a taxa de câmbio real nos níveis atuais, não haverá retomada do desenvolvimento, não haverá aumento do emprego e dos salários, e, portanto, o governo Lula terá fracassado na área econômica. Para reduzi-la, a equipe econômica deverá ter coragem e habilidade para enfrentar o mercado financeiro, que adota teorias econômicas tão convencionais quanto equivocadas para fazer pressão em busca da manutenção da taxa básica de juros (Selic) nos níveis reais atuais. Ela está presa em uma armadilha, em torno de 11% ao ano, quando, em outros países com classificação de risco semelhante à do Brasil, é de 3% a 4% ao ano.


As reformas institucionais são uma condição da modernidade brasileira, mas existem questões mais urgentes


Para reduzir a taxa de juros, o governo não pode esperar que a dívida pública caia em termos reais, como afirmam os sábios economistas do mercado. Não cairá porque a taxa de juros elevada o impede. Ou o governo rompe essa armadilha, a flexibilização da meta de inflação foi um passo, ou nada mudará.
Além da baixa da taxa de juros e da campanha contra a fome, são prioritárias as políticas públicas adotadas por cada ministério, independentes de grandes reformas. Há muitas coisas que precisam ter continuidade, pois atendem aos interesses do país, e outras que precisam ser mudadas.
É prioritário, por exemplo, dar continuidade à política de ciência e tecnologia que Ronaldo Sardenberg e Carlos Pacheco conduziram, à política comercial de Sergio Amaral e Celso Lafer, à política de avaliações do ensino que Paulo Renato e Maria Helena Castro promoveram, à política de reforma agrária que Raul Jungmann geriu, à política de defesa dos direitos humanos que Gregori e Pinheiro dirigiram, à política agrícola de Pratini de Moraes, à política de controle dos convênios médicos e de promoção dos medicamentos genéricos que Serra e Barjas Negri desenvolveram, à política de aperfeiçoamento da arrecadação tributária que Everardo Maciel administrou, à instalação da Advocacia Geral da União que os diversos procuradores-gerais da República conduziram e à política de reforma da gestão pública e de valorização das carreiras típicas do Estado que iniciei.
Continuidade, porém, não significa que mudanças não sejam possíveis e desejáveis. O governo Lula conta com ministros competentes, que certamente serão capazes de inovar.
Em algumas áreas, como na da política externa, já houve avanços: a liderança assumida pelo Brasil em relação à crise da Venezuela e a reformulação da política energética promovida pela nova ministra de Minas e Energia. Há outras áreas em que novas idéias e novas iniciativas são fundamentais. Trata-se, por exemplo, da política de defesa da empresa nacional, que precisa ser formulada. Da política cultural, que precisa concentrar-se na afirmação da identidade nacional do país e rever radicalmente o sistema de incentivos. Da política de planejamento econômico, que precisa voltar a ser estratégica. Da política de segurança, que ainda não teve o encaminhamento necessário. O Ministério Público, finalmente, precisa contar com o apoio ativo do Executivo para poder defender o patrimônio público com efetividade.
As considerações anteriores dizem respeito à agenda nacional, que não é uma questão de somenos, mas central para a política de um país. Colocar uma questão na agenda nacional -torná-la objeto do debate público- é uma ação estratégica nas democracias modernas.
Uma das missões do novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social é contribuir para a definição dessa agenda. Quem constrói a agenda de uma nação é sua sociedade e seu governo. Se estes não o fizerem, não faltarão voluntários alheios aos interesses nacionais para nos dizer o que fazer para ter credibilidade com eles... Por que, por exemplo, para desenvolver o país, precisamos de poupança externa e devemos manter elevada a taxa de juros?
O Brasil é um país muito grande e já tem uma democracia suficientemente desenvolvida para necessitar de conselhos externos. Podemos perfeitamente definir nossa própria agenda, nossas prioridades.

Luiz Carlos Bresser Pereira, 68, é professor de economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney).


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