São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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AUTOCRACIA RUSSA

Sem que ninguém esperasse, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, demitiu o primeiro-ministro Mikhail Kasyanov e todo o seu gabinete. O detalhe intrigante é que a dissolução do governo ocorre apenas três semanas antes da eleição presidencial de 14 de março, na qual a recondução de Putin é tida como certa. Depois do pleito, o gabinete teria obrigatoriamente de abdicar. A pergunta que fica é: por que Putin, que em três semanas e sem nenhum tipo de trauma estaria livre do gabinete, decidiu antecipar a substituição?
Para os eleitores, o presidente russo posa de democrata e afirma ser justo que a população conheça antes do pleito os nomes que vão compor o próximo governo. Qualquer explicação que prescinda da "vocação democrática" de Putin é mais verossímil. O presidente, que iniciou sua carreira na antiga KGB, vem já há algum tempo sendo criticado por conta de uma escalada autoritária que inclui o fechamento de órgãos de imprensa e a prisão de desafetos.
Ao dissolver o governo, Putin mostra que é ele quem manda e ainda cria um certo suspense eleitoral. Sua vitória é tão certa que encerra um paradoxo: como tem o apoio de algo entre 70% e 80% dos russos, muitos podem deixar de votar no dia 14 e, para valer, o pleito precisa contar com a participação de 50% do eleitorado.
Certamente pesou na decisão de Putin a forte queda na popularidade de Kasyanov, acentuada nos últimos meses. De resto, o premiê, no governo desde os tempos de Boris Ieltsin, era visto como excessivamente próximo aos chamados oligarcas, os empresários -muitas vezes ligados à máfia- que enriqueceram com as privatizações da década de 90.
Enquanto se aguarda a divulgação do novo nome, reforça-se a impressão de que Putin vai imprimindo ao exercício da Presidência um perfil crescentemente autocrático -e nisso ele encontra longa e perigosa tradição na história de seu país.


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