São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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BARREIRA RELIGIOSA

A religião está indissociavelmente ligada ao processo civilizatório. Reconhecer esse fato antropológico não significa considerar que as religiões sempre atuem em favor da civilização. Em muitos casos, infelizmente, essa não é a regra.
Uma recente e caricata ação de líderes religiosos contra o progresso humano partiu de clérigos islâmicos de Estados do norte da Nigéria. Baseados no suposto caráter "não-islâmico" da vacina contra a poliomielite, autoridades dos Estados de Kano e Zamfara decidiram boicotar os esforços da Organização Mundial da Saúde (OMS) de erradicar a poliomielite do planeta com a vacinação em massa de crianças nas áreas onde a doença ainda existe.
O plano era vacinar 60 milhões em dez países da África ocidental nesta semana, dentro da estratégia de aproveitar o relativo confinamento do vírus da pólio a três zonas -África ocidental, Egito e Índia-Paquistão- para tentar um golpe final contra a moléstia. A Nigéria é um país-chave para a erradicação, uma vez que responde pela metade de todos os novos casos mundiais da doença.
A proibição da vacina surgiu devido a rumores de que ela causaria infertilidade. Tudo faria parte de um complô norte-americano para tornar as mulheres muçulmanas inférteis. Pregadores islâmicos mais radicais são contra todas as vacinas, por considerá-las não-islâmicas -se Deus quiser que você morra, você morrerá; se Ele não quiser, você não morrerá.
Apesar do respeito que se deve às religiões, essa é uma atitude obscurantista e criminosa, que deveria ser prontamente combatida pelas autoridades federais nigerianas, um Estado que é formalmente laico. O vírus da pólio não respeita fronteiras entre nações e não verifica a religião das crianças que infecta, aleija e mata.


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