São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Roteiro de CPI

RIO DE JANEIRO - Mais monótona do que a crise é a reação que ela provoca e alimenta. De tão repetidas, as etapas parecem as mesmas, lembram os circos que se armam e desarmam em vários lugares e que sempre parecem os mesmos, com a mesma lona esfiapada, os mesmos palhaços, os mesmos engolidores de fogo e equilibristas no arame.
No princípio, o estouro da bomba em si. Em tempos eletrônicos e audiovisuais, as fitas e os vídeos que provam o que o que todos mais ou menos sabem ou suspeitam. Depois, os desmentidos, a procura do intermediário do intermediário que provocou a divulgação da bomba.
Simultaneamente, o vale-tudo contra a CPI, que só é aceita quando se abrir uma outra CPI para saber qual o preço que a serpente cobrou do Diabo para seduzir Eva. Se a CPI é para encaminhar o culpado à Justiça, que se faça a limpeza total na história humana, que é farta em pecados nem sempre originais, mas corriqueiros.
Finda a etapa inicial, o governo providencia uma medida de impacto que esvazie o impacto criado pelo escândalo e prolongue à exaustão as negociações sobre a CPI respectiva, isso se não houver a colaboração de outros setores da sociedade, como a descoberta de que Luma de Oliveira está se divorciando, que ninguém sabe quem matou o Carvana na novela do Gilberto Braga e quantos prêmios "Cidade de Deus" vai levar ou não.
Finalmente, entre mortos e feridos, todos se salvam, com exceção do tradicional boi de piranha, geralmente um elemento de terceiro escalão que foi fotografado ou filmado no ato de receber a mala preta e cuja voz os técnicos da Unicamp reconhecem nas fitas gravadas.
Meses, muitos meses depois, a CPI se dissolve ou espontaneamente por fadiga de material ou pela explosão de outro escândalo, que, a princípio, pode parecer mais substancioso, embora envolvendo mais ou menos corrupção equivalente e, não raro, as mesmíssimas autoridades.


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