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JOSÉ SARNEY
De jaquetão
e bigode
É do presidente Castello Branco a afirmação de que nas revoluções se sabe como entrar e nada de como sair. De formação legalista, embora da geração dos tenentes, nunca participara de nenhuma das famosas revoluções do seu tempo, 22, 24, 30. Em
1964 foi o candidato dos civis revolucionários contra os duros reunidos
em torno de Costa e Silva, expressão
do pensamento dos quartéis. Desde o
início a preocupação de Castello era
de como sair; a outra ala, de como entrar. Repetia-se o que ocorreu na República entre Deodoro e Floriano.
Castello justificava a revolução de 64
com o argumento de melhorar as instituições políticas, deterioradas pelo
governo João Goulart. Costa e Silva,
diferentemente, com a tropa, desejava
passar tudo a limpo, com a bandeira
castrense anticomunista.
Essas duas vertentes vêm dominar
as lutas internas nos 20 anos de revolução. Se não fosse o presidente Castello, que freou os ânimos e impôs sua
autoridade, o movimento teria descambado para uma quartelada.
Ele tinha a preocupação, por muitos
julgada ingênua, de dar-lhe aparência
de legalidade. Foi assim que fez, cumprindo o calendário de eleições diretas
para governador em 1965 e trombando de frente com a linha dura. Morto,
não viu concretizar-se o que temia: o
AI-5 e o fim do Estado de Direito.
Geisel retoma os rumos castellistas
e, com a experiência dos insucessos
passados, enfrenta os duros e inicia a
transição, com a abertura que chamou
de "lenta, gradual e segura".
Na área política, um grupo forte
dentro do Congresso respaldava esse
caminho. Fazíamos parte dele Petrônio Portela, Daniel Krieger, Teotônio
Vilela, Nelson Marchezan, Milton
Campos, Pedro Aleixo, Virgílio Távora, eu e muitos outros. Fui o relator da
emenda constitucional que acabou
com o AI-5.
É difícil reconstruir 40 anos depois o
clima de março de 1964. A sensação
geral àquele tempo era a da perda de
governabilidade pelo presidente Goulart. É uma injustiça acusá-lo por não
haver resistido. Não tinha condições.
Perdera o apoio da imprensa, da opinião pública, dos partidos políticos,
das Forças Armadas. Desesperadamente, viu desaparecer sua sustentação nos generais, nos oficiais e nas
classes empresariais. Num gesto suicida e patético, chegou aos sargentos e
terminou com cabos e marinheiros.
No dia seguinte de sua saída, os jornais, sem exceção, apoiavam a revolta
e as ruas se enchiam de entusiásticas
multidões de apoio.
Em março de 1964 eu era deputado
federal da UDN. No dia 19, fazia um
discurso pedindo conciliação. Era voz
de poeta. A conspiração já estava vitoriosa e eu não via.
Em 1985, por fios do destino, coube-me presidir a transição, a volta da democracia. Consegui sair ileso e íntegro
dessa luta de facas. A revolução de 64
foi a última das revoluções salvacionistas que marcaram nossa história
no século 20. Desapareceram no tempo suas motivações e protagonistas. O
país superou a época dos pronunciamentos militares. Hoje nossas dores
são outras: a desigualdade e a economia.
Do Manuelzinho, líder taxista que
me acompanhou até o aeroporto
quando deixei o governo, ouvi: "O senhor governou o Brasil com jeito, paciência e delicadeza!".
De jaquetão e bigode.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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