São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Conspiração dos bancos

ROBERTO LUIS TROSTER

Há quem atribua o fraco desempenho econômico do país a uma conspiração dos bancos; seus indícios são os juros altos e o crescimento dos lucros dos bancos, em 4%, quando a economia como um todo caiu 0,2%. A implicação lógica, para os partidários dessa tese, é punir os bancos -leia-se aumentar ainda mais os compulsórios mais altos do mundo, elevar a tributação dos bancos e ampliar o volume de empréstimos subsidiados.
É uma teoria fantasiosa e, se aceita, terá como resultado menos, ao invés de mais, crescimento.
Conspirações reais motivadas por interesses individuais fazem parte da história da humanidade desde seus primórdios. Uma conspiração de forças ocultas teria derrubado o presidente do Brasil em 1961. Quando não desmanteladas, as conjurações têm conseqüências calamitosas: o assassinato de Júlio Cesar por seu sobrinho Brutus, em Roma, é um exemplo. Há também fantasias sobre conspirações com efeitos trágicos: milhares de mulheres inocentes queimadas por bruxaria na Idade Média. O ponto fundamental é separar a fantasia da realidade, pois o entendimento errado pode nos comprometer.
A conspiração dos bancos tem tanta fundamentação como o conluio dos departamentos de trânsito com os ortopedistas que lucram tratando as vítimas de acidentes de veículos, ou a conjuração dos responsáveis pela manutenção de estradas com os fabricantes de amortecedores, ou ainda dos alienígenas querendo dominar o mundo. Mas, enquanto fantasias de conspirações de seres extraterrestres vendem mais revistas, delírios sobre a atuação dos bancos comprometem nosso futuro.


Os bancos não querem, não fomentam e não causam juros altos, apenas se adaptam às circunstâncias


Os bancos existentes são os que conseguiram se adaptar a um ambiente em transformação. Ajustaram-se e sobreviveram à inflação alta, à instabilidade macroeconômica com recessões calamitosas, aos planos econômicos com mudanças intempestivas de contratos e confiscos e a pacotes tributários que foram verdadeiras derramas. A virulência do cenário fez com que mais da metade dos bancos existentes uma década atrás ou deixasse de existir ou fosse absorvida por outra instituição. Os bancos de forma nenhuma promoveram essas distorções e são criticados por se adequarem a circunstâncias problemáticas.
Um resultado da adaptação bancária à turbulência indesejada é um sistema eficiente e estável que está entre os mais modernos do mundo -permite a liqüidação de operações financeiras entre quaisquer duas localidades de um país-continente, com segurança, em questão de minutos; nossas câmaras de negociação e compensação são o que há de mais sofisticado e o país exporta produtos de tecnologia bancária. É um sistema rentável.
Os lucros dos bancos são resultado dos serviços de pagamento que provêm e da intermediação bancária que cobre todo o território nacional. O crescimento do lucro médio em 2003 foi inferior à inflação e ao crescimento da oferta de serviços e da rede de atendimento; é inferior inclusive à rentabilidade de outros setores e à média lucratividade das companhias abertas. Mesmo assim incomodam, não por seu valor absoluto ou relativo, mas pelos juros.
Os bancos não querem, não fomentam e não causam juros altos, apenas se adaptam às circunstâncias, como se adaptaram à inflação e à turbulência macroeconômica. O cenário de juros baixos é o almejado e mais conveniente para os bancos, pois aumenta a demanda por crédito e diminui a inadimplência, possibilitando que eles exerçam sua vocação primordial, que é intermediar poupanças para empréstimos.
Atacar as causas de juros altos interessa aos bancos e à nação, deveria ser a prioridade da política econômica. Neste ano o PIB vai aumentar cerca de 3,5% em função da expansão do crédito e da capacidade ociosa, todavia, para crescer nos anos vindouros, é imperativo expandir o parque produtivo via investimentos, caso contrário não haverá crescimento sustentado. É fundamental um canal eficiente entre poupanças e investimentos.
Os bancos têm uma contribuição basal a dar ao desenvolvimento do país, mas estão restritos a uma política bancária que represa a oferta de crédito abundante em função das distorções existentes: uma dívida pública descomunal, compulsórios gigantescos, crédito direcionado subvencionado pelos bancos, tributação absurda e uma legislação bizantina. No ano que passou, a política foi dissonante, houve avanços no controle da dívida e na legislação, mas retrocessos como o aumento da tributação, dos créditos direcionados e dos depósitos compulsórios.
A teoria da conspiração dos bancos é uma fantasia absurda. O perigo é que a fantasia justifica uma série de ações que prejudica a todos, não apenas aos bancos. Há outras fantasias que devem ser desmascaradas: a fantasia de que o Brasil não vai crescer em 2004 e a de que é bom para o Brasil crescer 4% ao ano sustentadamente -não é, pois o país tem condições de crescer mais, muito mais.

Roberto Luis Troster, 53, doutor em economia pela USP, professor titular do Departamento de Economia da PUC-SP, é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).


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