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FÁBIO VICTOR
Lugo lá
MIÚDA, A SALA da casa de
Fernando Lugo, presidente eleito do Paraguai,
mal acomodou os brasileiros que
foram entrevistá-lo na última segunda, dia seguinte à sua vitória.
Um quarto, um escritório, cozinha
e banheiro completam o sobrado.
Nas paredes há três molduras:
uma foto de Lugo com uma frase de
Paulo Coelho ("O mundo está nas
mãos daqueles que têm a coragem
de sonhar e correr o risco de viver
seus sonhos"), uma reprodução de
El Greco, um poema ilustrado de
Neruda. O sofá é puído; os móveis,
poucos e fuleiros. Lembra uma casa de classe média baixa de qualquer cidade brasileira.
O plano do ex-bispo católico é
continuar vivendo ali, nas franjas
de Assunção, em vez de se mudar
para a residência oficial de Mburuvicha Roga, uma chácara na capital.
Lugo já morou e estudou em outros países, mas aparenta ser, antes
de tudo, um homem "simples", como se usa dizer de gente sem grana
nem fricote.
A festa dos paraguaios no último
domingo -por Lugo, mas sobretudo pela queda do Partido Colorado
após 61 anos- lembrou bastante a
euforia das capitais brasileiras na
vitória de Lula em 2002: gente se
abraçando, chorando, uma alegria.
O ex-bispo virou político via
Teologia da Libertação, como muitos do entorno de Lula, prenhe de
católicos engajados ou com trânsito na igreja: Gilberto Carvalho, Patrus Ananias, Luiz Dulci, Frei Betto. Marco Aurélio Garcia não é do
grupo, mas tem tudo a ver com a esquerda socioacadêmica que alavancou o presidente eleito.
Se Lugo vai se "lulizar" ao provar
do poder é, por ora, impossível dizer. O certo é que há, na relação dos
dois, um componente "companheiro" que foge à compreensão
cartesiana do Itamaraty e da tecnocracia milionária de Itaipu.
O mesmo fio que costurou o
acordo com a Bolívia após a invasão das refinarias da Petrobras e
que, de resto, é uma das marcas da
política externa de Lula.
Sim, há terreno a ganhar na disputa com Chávez na geopolítica regional. Mas é impossível ignorar o
quanto essa sinergia igrejeira, essa
solidariedade classista, esses laços
"de sangue e de sonho e de América
do Sul" adubam o discurso dúbio
do governo brasileiro sobre a revisão do Tratado de Itaipu.
Parece claro que não haverá assinatura de um novo acordo, como
quer Lugo -que pode portar carradas de argumentos, mas tem antes
um contrato a cumprir. Dá-se como igualmente certo, porém, que
algum biscoito o Paraguai ganhará.
A pergunta que fica é se o namoro "Lu-Lugo" bastará para o Brasil
arcar com o desgaste de um aumento de energia aqui, que parece
inevitável caso os paraguaios de fato recebam algo a mais. Uma chipa
e um tereré para quem descobrir.
fvictor@folhasp.com.br
FÁBIO VICTOR é jornalista da sucursal de Brasília.
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