São Paulo, sábado, 26 de abril de 2008

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FÁBIO VICTOR

Lugo lá

MIÚDA, A SALA da casa de Fernando Lugo, presidente eleito do Paraguai, mal acomodou os brasileiros que foram entrevistá-lo na última segunda, dia seguinte à sua vitória. Um quarto, um escritório, cozinha e banheiro completam o sobrado.
Nas paredes há três molduras: uma foto de Lugo com uma frase de Paulo Coelho ("O mundo está nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar e correr o risco de viver seus sonhos"), uma reprodução de El Greco, um poema ilustrado de Neruda. O sofá é puído; os móveis, poucos e fuleiros. Lembra uma casa de classe média baixa de qualquer cidade brasileira.
O plano do ex-bispo católico é continuar vivendo ali, nas franjas de Assunção, em vez de se mudar para a residência oficial de Mburuvicha Roga, uma chácara na capital.
Lugo já morou e estudou em outros países, mas aparenta ser, antes de tudo, um homem "simples", como se usa dizer de gente sem grana nem fricote.
A festa dos paraguaios no último domingo -por Lugo, mas sobretudo pela queda do Partido Colorado após 61 anos- lembrou bastante a euforia das capitais brasileiras na vitória de Lula em 2002: gente se abraçando, chorando, uma alegria.
O ex-bispo virou político via Teologia da Libertação, como muitos do entorno de Lula, prenhe de católicos engajados ou com trânsito na igreja: Gilberto Carvalho, Patrus Ananias, Luiz Dulci, Frei Betto. Marco Aurélio Garcia não é do grupo, mas tem tudo a ver com a esquerda socioacadêmica que alavancou o presidente eleito. Se Lugo vai se "lulizar" ao provar do poder é, por ora, impossível dizer. O certo é que há, na relação dos dois, um componente "companheiro" que foge à compreensão cartesiana do Itamaraty e da tecnocracia milionária de Itaipu.
O mesmo fio que costurou o acordo com a Bolívia após a invasão das refinarias da Petrobras e que, de resto, é uma das marcas da política externa de Lula.
Sim, há terreno a ganhar na disputa com Chávez na geopolítica regional. Mas é impossível ignorar o quanto essa sinergia igrejeira, essa solidariedade classista, esses laços "de sangue e de sonho e de América do Sul" adubam o discurso dúbio do governo brasileiro sobre a revisão do Tratado de Itaipu.
Parece claro que não haverá assinatura de um novo acordo, como quer Lugo -que pode portar carradas de argumentos, mas tem antes um contrato a cumprir. Dá-se como igualmente certo, porém, que algum biscoito o Paraguai ganhará.
A pergunta que fica é se o namoro "Lu-Lugo" bastará para o Brasil arcar com o desgaste de um aumento de energia aqui, que parece inevitável caso os paraguaios de fato recebam algo a mais. Uma chipa e um tereré para quem descobrir.


fvictor@folhasp.com.br

FÁBIO VICTOR
é jornalista da sucursal de Brasília.


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