|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Voto facultativo
Distância entre sociedade e seus representantes cresce a cada escândalo, favorecida pelo arcaísmo do sistema eleitoral
SERIA IMPRÓPRIO classificar
de simplesmente "moralistas" as violentas reações da opinião pública
diante dos abusos cometidos no
Congresso Nacional, em particular na célebre farra das passagens aéreas gratuitas.
Tem-se, na verdade, um movimento generalizado e veemente
de indignação diante de revelações que só na aparência se reduzem ao anedótico, ao secundário,
ao venial. No caso das passagens
aéreas, atingiu especial visibilidade -e, talvez, seu ponto de
máxima saturação- um fenômeno que se tornou crônico no
sistema político brasileiro.
Os assim chamados "representantes da população" parecem
representar, antes de tudo, a si
mesmos -e a uma rede de contatos no mundo privado e doméstico que se mantêm, na maior parte do tempo, invisíveis e fora do
controle dos cidadãos.
Regras cada vez mais rígidas de
transparência constituem sem
dúvida a arma mais eficiente para combater essa situação. Mesmo assim, e apesar das recorrentes vagas de repúdio que cada novo escândalo suscita, um problema básico permanece.
Representantes e representados parecem habitar mundos à
parte, com escassos pontos de
comunicação. A certeza da impunidade, tão disseminada entre
governantes e parlamentares
brasileiros, não se restringe apenas ao âmbito do Código Penal.
Vigora também uma confiança
na impunidade política, que se
confirma toda vez que figuras
cercadas das mais fortes evidências de corrupção terminam vitoriosas em novas eleições.
Isso ocorre sem que, por outro
lado, a população abandone sua
permanente repugnância pelos
políticos que, entretanto, consente em reeleger. A superação
desse estado de coisas depende,
como é óbvio, de um longo processo de desenvolvimento da
maturação política e do mais amplo acesso à informação.
Mesmo assim, haveria no mínimo uma mudança fundamental e simples, no campo em geral
bastante técnico e polêmico das
reformas institucionais, cuja
oportunidade se manifesta com
clareza, em meio a um descrédito da atividade política a todos os
títulos nocivo para a democracia.
O Brasil é um dos raros países
do mundo onde vigora o sistema
do voto compulsório. Não há
sentido em encarar um direito
dos cidadãos -o de participar livremente das eleições de seus representantes- como um dever
imposto pelo Estado.
O indivíduo que vota apenas
por obrigação não se coloca no
papel de soberano, e sim de subordinado no processo político.
Cronifica-se, com isso, a tendência histórica de encarar os
governantes e os parlamentares
não como homens públicos a
serviço da população, mas como
detentores de um poder de mando e de uma série de privilégios
pessoais, aos quais o cidadão se
curva numa espécie de corveia
eleitoral. Oferece-lhes, contrafeito, um mandato que será exercido na impunidade e na arrogância, e haverá de encará-los,
forçosamente, com ressentimento e com desprezo.
Próximo Texto: Editoriais: Gigantes em crise
Índice
|