São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PRINCÍPIOS E PRAGMATISMO

A China é bem mais do que um "shopping de oportunidades", mas não há como negar a importância que o mercado do gigante asiático representa para o Brasil. A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China é uma iniciativa oportuna, que tem valor comercial e mesmo estratégico, num momento em que é preciso diversificar parceiros, abrir novas frentes de negócios e encontrar outros eixos de inserção.
Essas considerações de ordem econômica e geopolítica, porém, não bastam para justificar o silêncio do presidente Lula em relação a temas sensíveis como o amplo histórico de desrespeito das autoridades chinesas aos direitos humanos e a odiosa invasão do Tibete a mando de Pequim.
É claro que ninguém espera que Lula atue como um ativista da Anistia Internacional e constranja seus anfitriões denunciando casos de presos políticos. Ninguém em sã consciência imagina que o presidente brasileiro vá fazer greve de fome na praça Tiananmen pela restauração da independência tibetana. Ainda assim, Lula poderia ter tocado nessas questões, pressionando os dirigentes chineses dentro dos limites da boa educação e sem ferir demais o cerimonial. O que ele fez, porém, o comunicado conjunto que assinou, mais se assemelha a uma defesa das atrocidades do que a uma condenação diplomaticamente digerível.
Vale lembrar que a pressão difusa exercida por governos estrangeiros foi um dos fatores que levou o regime militar brasileiro a decidir-se pela abertura, na primeira metade dos anos 80. Em algum grau, o próprio Lula é um beneficiário das cobranças que vieram de fora.
Uma boa política externa precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre o apego aos princípios e o pragmatismo. O Brasil não deve achar que vai consertar o mundo através das declarações do presidente Lula nem pode desconsiderar, em seu trato com outras nações, todos os escrúpulos morais, focalizando apenas os resultados comerciais. O governo, ao que parece, ainda não foi capaz de encontrar esse equilíbrio.


Texto Anterior: Editoriais: SINAL AMARELO
Próximo Texto: Editoriais: TRIBUTO DESVIRTUADO

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.