São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Os erros do Banco Central

O Banco Central tem sido um dos maiores entraves ao bom desempenho da economia brasileira. Seu "terrorismo" inflacionário, sua incapacidade de aproveitar os momentos conjunturais favoráveis e seu comportamento excessivamente cauteloso são os principais fatores que permitiram que se criasse a atual sensação vigente em todo o sistema financeiro: a de que a relação dívida líquida do setor público/PIB sugere, inevitavelmente, o "default" da dívida interna. É verdade que esse mau humor se deve também à incrível colocação das LFTs de prazos mais longos que o Tesouro "empurrou" num mercado que é facilmente seduzido por um aumento da rentabilidade mesmo quando os riscos são crescentes. Foi a combinação de um governo apressado em melhorar a "qualidade" da sua dívida com um mercado pouco preparado para a avaliação de riscos que impôs o estresse atual.
É claro que enfrentamos hoje um ambiente externo mais hostil, mas as prioridades do Banco Central estão evidentemente equivocadas porque, ao minimizar o "risco de inflação", ele maximiza os riscos de instabilidade da relação dívida líquida/PIB e dá suporte à equivocada impressão que hoje domina o sistema financeiro interno e externo.
O comportamento do Copom no dia 19 de maio foi exemplar. Enquanto os ministérios do Planejamento, da Fazenda e do Desenvolvimento (e o próprio presidente no discurso dos "500 dias") se esforçavam para mostrar que a situação da economia está melhorando e que estamos com uma "blindagem externa" ligeiramente melhor, a não-redução da taxa Selic foi uma eloqüente demonstração de que não é esse o pensamento dos "cientistas" do Banco Central.
Depois de ter perdido a oportunidade de colocar papéis no mercado externo e de ter deixado de aproveitar o mercado interno para aumentar nossas reservas quando o "risco Brasil" era metade do atual, de ter perdido a oportunidade de já estarmos com uma taxa Selic que sugerisse uma taxa de juro real da ordem de 6% ou 7% e depois de divulgar em janeiro que o IGP-DI estava grávido de pequenos IPCAs, afirma, agora, que o aumento do preço mundial do petróleo e o comportamento do senhor Greenspan (que o BC afirmara já estar "precificado" na ata do Copom anterior) exigem ainda mais cautela...
O aumento do preço do petróleo poderá mesmo elevar a taxa de inflação, mas ela seguramente ficará dentro das "margens de segurança de 2,5% para cima ou para baixo da meta", o que sugere que deveríamos reconvertê-la (se for o caso) num prazo maior do que o horizonte gregoriano, continuando a reduzir a taxa de juro real. A indicação do Banco Central é oposta: "Se houver isso, o remédio será aumentar a taxa de juros e reduzir o ritmo de crescimento". Em outras palavras, criar ainda mais desconfiança sobre a solvabilidade da dívida interna! Exigir mais esforço fiscal! Sem falar no que pode acontecer com a taxa de câmbio se houver mesmo um estreitamento do financiamento externo. É, portanto, o próprio comportamento assustado do BC que influencia a taxa Swap-DI de 360 dias e aumenta a volatilidade.
Ou a política monetária mostra maior consistência em relação à realidade ou a descrença que ela tem criado acabará realizando a falsa profecia...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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