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TENDÊNCIAS/DEBATES
É apropriado que se decida em referendo sobre a proibição do comércio de armas?
SIM
O povo como co-responsável
RENAN CALHEIROS
Os 49 mil assassinatos que o Brasil
registra a cada ano mostram que
mudanças na segurança pública são urgentes e prioritárias. Tantos crimes com
armas de fogo estão levando a sociedade a uma reflexão profunda sobre o problema da violência, que ceifa vidas de
pessoas inocentes.
Tão importante quanto aperfeiçoar a
legislação é modernizar os meios de que
o Estado dispõe para enfrentar a criminalidade. O Congresso Nacional tem
fornecido instrumentos que ajudam a
aliviar a pressão exercida pela criminalidade sobre todas as classes sociais, sobretudo as menos favorecidas. Propostas importantes, como mudanças no
Código Penal, no inquérito policial e no
sistema penitenciário, precisam ser implementadas rapidamente. Entre as matérias relacionadas à questão da segurança que tramitam no Congresso estão
a reforma do Judiciário, centenas de
acordos de cooperação penal internacional e a que eu considero a mais relevante de todas: a proibição da venda e
do uso de armas e munições. Essa idéia
nasceu em 98, quando eu ainda ocupava o Ministério da Justiça. No início deste ano, reapresentei proposta nesse sentido, reabrindo o debate sobre o tema.
Como a restrição às armas é tema polêmico, o assunto pode e deve contar
com a decisão direta da população. A
democracia participativa é um processo
permanente de educação para a cidadania. O povo, como co-responsável, deixa de ser "objeto", para ser "sujeito" das
decisões. Com isso, o regime democrático, pelo processo constante de cobrança e controle da população, é fortalecido. Os instrumentos participativos servem para corrigir os vícios de sistemas
de governo desassociados da opinião
pública. Dá-se ao povo o direito e a
oportunidade de decidir questões relevantes e, muitas vezes, polêmicas.
Uma dessas consultas é o referendo,
semelhante ao plebiscito. A diferença é
que, no caso do referendo, os cidadãos
são chamados a dizer, optando pelo sim
ou pelo não, se alguma medida ou lei já
aprovada deve valer, como prevê nossa
Constituição. O referendo é frequentemente utilizado em vários países do
mundo, principalmente nos EUA, Suíça
e França. E até aqui, na América do Sul,
temos notícias de referendos, como o
que aconteceu no Uruguai, em 1994, sobre reformas constitucionais. Mas, no
Brasil, infelizmente ainda não utilizamos esse tipo de consulta popular.
Agora, após intenso debate no Congresso e na sociedade sobre medidas de
restrição às armas de fogo, teremos essa
oportunidade. O texto aprovado pelo
Senado, que ainda precisa ser votado
pela Câmara, define, entre outras coisas,
que será realizado referendo popular
em 2005 sobre a proibição da venda de
armas em todo o país. Eu, particularmente, prefiro que a consulta se realize
junto com uma de nossas eleições, para
evitar custos extras à Justiça Eleitoral.
As restrições ao uso e à venda de armas e munições são uma tendência internacional. E, no caso do Brasil, tornam-se uma questão crucial, já que nosso país é considerado pela ONU o campeão mundial em crimes cometidos
com armas de fogo. Nós temos 2,78%
da população do mundo, mas registramos 13% dos crimes do planeta. A arma
está na raiz do crime sem causa. Sua banalização -o crime praticado pelo cidadão comum- é responsável por 9
em cada 10 assassinatos.
Claro que há outros fatores que influem em um problema tão complexo
como o da violência. Mas uma comparação das taxas de homicídios dos países que restringem a venda de armas,
como os da Europa ou o Japão, com
aqueles que não o fazem, como os EUA
ou o Brasil, sugere que um maior rigor
influi positivamente na diminuição do
índice de criminalidade.
A segurança pública deve ser vista como prioritária, e dela todos dependem.
Ações como melhor planejamento urbano, políticas sociais dirigidas, aumento da oferta de emprego e projetos alternativos são bem-vindos, mas todos só
denotam soluções a médio e longo prazos. O combate à criminalidade, em geral, exige medidas emergenciais. E uma
dessas medidas é retirar as armas das
ruas e das mãos de quem, erroneamente, pensa estar seguro com elas.
O importante é que essa experiência
sirva para consolidar o referendo como
mais uma alternativa de consulta popular, resultante das facilidades criadas pela urna eletrônica. Esta é, sem dúvida,
uma das formas de derrotarmos o forte
lobby dos fabricantes de armas, que
atua hoje dentro e fora do Congresso, e
mudarmos a cultura da violência que
persiste no país.
Renan Calheiros, 47, senador pelo PMDB-AL, é
líder do partido no Senado. Foi líder do governo
na Câmara dos Deputados (governo Collor) e ministro da Justiça (governo Fernando Henrique).
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