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São Paulo, sábado, 26 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É apropriado que se decida em referendo sobre a proibição do comércio de armas?

SIM

O povo como co-responsável

RENAN CALHEIROS

Os 49 mil assassinatos que o Brasil registra a cada ano mostram que mudanças na segurança pública são urgentes e prioritárias. Tantos crimes com armas de fogo estão levando a sociedade a uma reflexão profunda sobre o problema da violência, que ceifa vidas de pessoas inocentes.
Tão importante quanto aperfeiçoar a legislação é modernizar os meios de que o Estado dispõe para enfrentar a criminalidade. O Congresso Nacional tem fornecido instrumentos que ajudam a aliviar a pressão exercida pela criminalidade sobre todas as classes sociais, sobretudo as menos favorecidas. Propostas importantes, como mudanças no Código Penal, no inquérito policial e no sistema penitenciário, precisam ser implementadas rapidamente. Entre as matérias relacionadas à questão da segurança que tramitam no Congresso estão a reforma do Judiciário, centenas de acordos de cooperação penal internacional e a que eu considero a mais relevante de todas: a proibição da venda e do uso de armas e munições. Essa idéia nasceu em 98, quando eu ainda ocupava o Ministério da Justiça. No início deste ano, reapresentei proposta nesse sentido, reabrindo o debate sobre o tema.
Como a restrição às armas é tema polêmico, o assunto pode e deve contar com a decisão direta da população. A democracia participativa é um processo permanente de educação para a cidadania. O povo, como co-responsável, deixa de ser "objeto", para ser "sujeito" das decisões. Com isso, o regime democrático, pelo processo constante de cobrança e controle da população, é fortalecido. Os instrumentos participativos servem para corrigir os vícios de sistemas de governo desassociados da opinião pública. Dá-se ao povo o direito e a oportunidade de decidir questões relevantes e, muitas vezes, polêmicas.
Uma dessas consultas é o referendo, semelhante ao plebiscito. A diferença é que, no caso do referendo, os cidadãos são chamados a dizer, optando pelo sim ou pelo não, se alguma medida ou lei já aprovada deve valer, como prevê nossa Constituição. O referendo é frequentemente utilizado em vários países do mundo, principalmente nos EUA, Suíça e França. E até aqui, na América do Sul, temos notícias de referendos, como o que aconteceu no Uruguai, em 1994, sobre reformas constitucionais. Mas, no Brasil, infelizmente ainda não utilizamos esse tipo de consulta popular.
Agora, após intenso debate no Congresso e na sociedade sobre medidas de restrição às armas de fogo, teremos essa oportunidade. O texto aprovado pelo Senado, que ainda precisa ser votado pela Câmara, define, entre outras coisas, que será realizado referendo popular em 2005 sobre a proibição da venda de armas em todo o país. Eu, particularmente, prefiro que a consulta se realize junto com uma de nossas eleições, para evitar custos extras à Justiça Eleitoral.
As restrições ao uso e à venda de armas e munições são uma tendência internacional. E, no caso do Brasil, tornam-se uma questão crucial, já que nosso país é considerado pela ONU o campeão mundial em crimes cometidos com armas de fogo. Nós temos 2,78% da população do mundo, mas registramos 13% dos crimes do planeta. A arma está na raiz do crime sem causa. Sua banalização -o crime praticado pelo cidadão comum- é responsável por 9 em cada 10 assassinatos.
Claro que há outros fatores que influem em um problema tão complexo como o da violência. Mas uma comparação das taxas de homicídios dos países que restringem a venda de armas, como os da Europa ou o Japão, com aqueles que não o fazem, como os EUA ou o Brasil, sugere que um maior rigor influi positivamente na diminuição do índice de criminalidade.
A segurança pública deve ser vista como prioritária, e dela todos dependem. Ações como melhor planejamento urbano, políticas sociais dirigidas, aumento da oferta de emprego e projetos alternativos são bem-vindos, mas todos só denotam soluções a médio e longo prazos. O combate à criminalidade, em geral, exige medidas emergenciais. E uma dessas medidas é retirar as armas das ruas e das mãos de quem, erroneamente, pensa estar seguro com elas.
O importante é que essa experiência sirva para consolidar o referendo como mais uma alternativa de consulta popular, resultante das facilidades criadas pela urna eletrônica. Esta é, sem dúvida, uma das formas de derrotarmos o forte lobby dos fabricantes de armas, que atua hoje dentro e fora do Congresso, e mudarmos a cultura da violência que persiste no país.


Renan Calheiros, 47, senador pelo PMDB-AL, é líder do partido no Senado. Foi líder do governo na Câmara dos Deputados (governo Collor) e ministro da Justiça (governo Fernando Henrique).


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