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São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 2003

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JOSÉ SARNEY

MST e transgênicos

O Brasil está como o criador o fez e a geografia o consagrou. Sua diversidade não é somente "bio", mas política, cultural e surpreendente. Do futebol ao samba, somos todos naturais.
Estamos, hoje, vivendo duas faces dessa moeda, em temas sensíveis. Fabricamos de agulha a avião e lidamos com temas que vão da Pré-História à ficção científica. É o debate atual entre o tempo de Aglau Sofídio, o mais pobre lavrador da Arcádia, que cultivava um pequeno "enxido", e os alquimistas modernos, modificadores de genes e descobridores de genomas. Falo dos sem-terra (MST), buscando a menor de todas as tecnologias agrícolas, um pedaço de chão para plantar qualquer semente, chuchu, abóbora, chicória e -se pintar- feijão trepa-pau, deliciosa leguminosa selvagem do sertão do Maranhão. Na outra ponta, a controvérsia sobre a soja transgênica com sua tecnologia de manipulação de genes.
Os dois lados, valendo-me de um raciocínio do Veríssimo, são acusados de desobediência civil. O primeiro, de invadir terras alheias; os outros, de plantios ilegais. Ambos são violadores da lei: uns plantam sementes modificadas sem estudo de impacto ambiental, outros promovem ocupações e desordem e comem bois do próximo.
As invasões pularam de 103 para 184 apenas neste ano. Em fins de 2002, eram 60 mil famílias em acampamentos, 200 mil no começo deste segundo semestre de 2003.
Dizem que o objetivo é apressar a reforma agrária, pressionando o governo com a ocupação de fazendas e edifícios do Incra. A turma da soja transgênica faz contrabando de sementes da Argentina, criando fato consumado e o problema que arrancou lágrimas da ministra Marina.
Não me esqueço, quando se fala em reforma agrária, de que, em 1985, quando assumi a Presidência, essas eram palavras malditas e identificadoras de subversivos e agitadores. O ministério a ser criado era de Assuntos Fundiários. Quando recebi o ministro Nelson Ribeiro, convidado por Tancredo Neves para o cargo, disse-lhe: "Vamos mudar o nome do ministério e dar-lhe o verdadeiro: da Reforma Agrária. Foi um deus-nos-acuda. Se o problema era a reforma agrária, daríamos nomes aos bois. O assunto passou a ser tratado com seu real objetivo.
E agora os transgênicos? Uns afirmam que é modernidade, que vão aumentar a produtividade, vão dar ao Brasil condição de não ficar atrás de outros países produtores de soja. Os contestadores afirmam o contrário. A soja transgênica é um pacote tecnológico fechado, monopólio de uma grande multinacional, para vender sementes e defensivos dela dependentes, tudo isso sem estudo de impacto ambiental, necessário para afastar o perigo e a vulnerabilidade da saúde das pessoas e das espécies.
A verdade é que a batata quente caiu na mão do José Alencar, o nosso simpático e competente vice, que não teve outra saída senão pedir clemência e dizer a todos, num estilo de bom mineiro: "Eu, um pobre coitado, presidente em exercício, lá das Gerais, ter de assinar essa medida provisória! É uma situação difícil. Vocês devem estar com pena de mim".
Realmente, ficar nesse fogo cruzado não é nada bom. Mas pior está o Gugu Liberato, apertado pelos seus personagens.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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