São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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JOÃO SAYAD

Rififi

Parte dos e-mails que chegam todos os dias é propaganda de remédios para melhorar a performance sexual, prostituição, anúncios de hotel (chamados de "spam"). Outra parte são vírus, detectados pelos programas antivírus.
Produzir vírus e invadir milhões de computadores é um jogo. De um lado do campo, estão os produtores de vírus -quem são? No campo adversário, empresas que produzem programas antivírus, uma combinação de técnicos competentes, talvez ex-produtores de vírus, e investidores. As empresas que fazem programas antivírus valem uma fortuna, prestam bom serviço. Enviar vírus é uma violência. As vítimas somos nós, os usuários da internet.
Os pichadores de paredes se divertem com outro jogo. Sujar as paredes do edifício mais visível e mais protegido com mensagens cifradas que apenas outros pichadores entendem. A vítima é São Paulo.
Jogos têm um sentido incompreensível, vencer. Cinco a zero contra o Chile, 2 000 pontos no jogo de buraco, têm apenas um significado -o reconhecimento da superioridade do vencedor. O esporte é um tipo de jogo que não produz vítimas.
Jogar é agir contra o adversário, derrotá-lo. É ato de violência e amor -a procura do olhar de admiração e reconhecimento do outro. O futebol do Brasil é amado no mundo inteiro. Vale mais ganhar contra o Brasil do que contra outros países.
A vida é um jogo. Às vezes, procura um significado transcendente às regras do jogo e a comunidade de jogadores. Para os homens de fé, Deus dá sentido a tudo. Para os intelectuais franceses do pós-guerra, o jogo não tem sentido, é absurdo.
Na sociedade capitalista, o sentido do jogo é o dinheiro. O ganhador de dinheiro procura o reconhecimento dos jogadores de todos os tipos de jogo.
Há três meses, um grupo de pessoas alugou uma casa , do outro lado da rua onde está o Banco Central de Fortaleza. A casa foi disfarçada em loja especializada na venda de grama para jardins. Durante semanas cavaram um túnel até a caixa-forte do banco, transportando grande quantidade de terra, sem chamar a atenção.
No dia e hora exatos em que o cofre guardava R$ 350 milhões em notas usadas, de numeração desconhecida, entraram pelo túnel e levaram o dinheiro. Crime perfeito, a menos de dois detalhes: as notas roubadas pesam 30 toneladas e a suspeita de cumplicidade de alguém que sabia da presença do dinheiro no cofre. Até hoje não foram descobertos.
Jogo planejado com criatividade, executado com delicadeza, sem violência, como nas histórias de Arsène Lupin ou em filmes antigos como Rififi. Obra de arte quando comparado aos casos grosseiros apresentados nas CPIs do Congresso ou aos seqüestros relâmpagos de São Paulo.
A vítima é perfeita -o Banco Central, não os contribuintes. O BC não depende dos contribuintes, emite para pagar os juros que ele próprio determina. Não inspira compaixão nem precisa ser compensado pelo prejuízo.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net


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