São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma pessoal visão do Brasil

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A sociedade brasileira está em franca mudança. Política, econômica, social, familiar e eticamente. Os valores individuais, coletivos e religiosos estão em xeque, e as incertezas não vislumbram um porto seguro para ser dissipadas em certezas confortadoras.
Politicamente, a sociedade está revoltada com o mar de lama que os jornais e as CPIs têm revelado. Parece firmar-se a convicção de que, pela instalação do modelo petista no poder, com sólidos alicerces marxistas -em que os meios são justificados pelo fim-, seria mais fácil aliciar pecuniariamente aliados do que com eles partilhar o poder.


Todos os que defendem os reais valores que dignificam o ser humano são considerados "politicamente incorretos"


E o escândalo político longe está do fim, na medida em que o financiamento ilegal de parlamentares, por meio de amigos do poder ou do próprio partido do presidente, só se justificaria para dar maioria ao Executivo, ainda não atingido nas investigações, mas, indiscutivelmente, o maior beneficiário das alianças obtidas a peso de ouro.
O Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal não conseguem evitar a "síndrome do holofote", acompanhada da pirotecnia na realização de prisões, buscas, seqüestros de bens, gerando, muitas vezes, uma insegurança jurídica maior do que a segurança que deveriam dar à população.
Há, inclusive, certa seletividade, pela qual opositores e empresários são levados ao cárcere, mas nenhum dos amigos do poder -mesmo aqueles que, comprovadamente, queimarem documentos pertinentes às investigações que se desenvolvem- até agora teve de passar nem uma noite sequer na prisão, à exceção do portador de uma "cueca-cofre", por ter sido flagrado pela PF.
Tivesse o país um regime parlamentar de governo, e a crise de há muito já teria sido superada com um novo gabinete. Como o presidencialismo não tem mecanismos -fora o impeachment- para superar as crises, amargamos um desenrolar sem perspectiva de breve fim. Parlamentarista que sou desde os bancos acadêmicos, estou convencido de que Raul Pila tinha razão ao dizer que o presidencialismo é o governo da "irresponsabilidade a prazo certo", e o parlamentarismo, "da responsabilidade a prazo incerto".
A economia não vai mal -vai muito pior do que a de todos os países da América Latina, menos El Salvador e Haiti- ainda pelo "efeito maré" do "boom econômico mundial". Mas cresce menos do que os países emergentes e, principalmente, do que nossos mais importantes concorrentes (Rússia, China, Índia, México e Argentina).
A nossa carga tributária é maior do que a de qualquer um deles, todos abaixo de 20% do PIB, enquanto devemos chegar ao fim do ano com 38%. Os juros continuam os mais elevados do mundo, disputando, mês a mês, o primeiro lugar com a Turquia.
A máquina administrativa esclerosada, o sistema tributário complexo, as exigências multiplicadas pela burocracia e a corrupção mantendo o país no indesejado ranking daqueles onde mais viceja tornam surpreendente que ainda haja empresários capazes de levar o país para a frente, apesar do governo. São eles os verdadeiros geradores de emprego, e estou convencido de que, se houvesse uma aliança maior entre trabalhadores e empresários para a geração de empregos e para a redução de juros e tributos, certamente o Brasil estaria melhor, social e economicamente.
As ações sociais, a meu ver, estão muito aquém do necessário para o país, na medida em que, sendo o governo o principal devedor do mercado, as taxas elevadas afetam a dívida, obrigando o Estado a pagar mais juros, cada ano, e ter menos recursos para ações sociais relevantes. Não há dúvida de que os juros deveriam ser superiores aos do mercado internacional para atrair investimentos, mas não muito superiores, como ocorre no país, visto que o Brasil tem densidade própria para atraí-los. Tenho dúvidas se o crescimento da dívida governamental é o melhor caminho para reduzir o risco Brasil.
Por fim, nesta perfunctória análise, percebe-se um permanente ataque a valores essenciais do indivíduo, da família, de suas crenças e dos valores éticos que deveriam conformar a sociedade, atingida por grupos de descontinuidade (terrorismo, narcotráfico, seqüestros, crime organizado) e pela permanente invasão dos lares com mensagens hedonistas, que conclamam as pessoas a aproveitar a vida a qualquer preço ou custo. E todos aqueles que defendem os reais valores que dignificam o ser humano, no campo do direito absoluto à vida, à família, às crenças, ao respeito mútuo são considerados "politicamente incorretos".
Talvez por essa razão é que tanto se fala em ética e pouco se pratica, em todos os ambientes, visto que a luta para a sobrevivência passou a ser "uma luta selvagem", que, como minha amiga Lygia Fagundes Telles diz, "não pode ser travada por amadores".
Sou, apesar dos meus 70 anos, um otimista, talvez porque goste de história, e, em todos os períodos em que as contradições do mundo foram mais agudas e dilacerantes, gerando uma descrença generalizada, surgiram líderes e idéias que inverteram o quadro, permitindo à sociedade retomar sua caminhada.
Nisso parece ter razão Vicco, que via a evolução da humanidade em espiral, em que a parte mais baixa da espiral, que representa o presente, é mais alta que a parte mais baixa da espiral anterior. Os dias não são bons. Acredito, todavia, em dias melhores.

Ives Gandra da Silva Martins, 70, advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, é presidente da Academia Paulista de Letras.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Roger Agnelli: Salvaguardas contra a China?

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.