São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Salvaguardas contra a China?

ROGER AGNELLI

Em entrevista sobre sua missão à China, publicada em 10 de setembro, o ministro Luiz Fernando Furlan disse que, por instruções do presidente Lula, buscará "uma negociação, de modo que os chineses possam fazer restrições voluntárias às exportações". Ao mesmo tempo, lembrou, o Brasil disporá das regras sobre salvaguardas específicas caso a contenção voluntária falhe.


A indústria brasileira é madura para sobreviver aos impactos mais duros da competitividade chinesa e superá-los


O Conselho Empresarial Brasil-China, que congrega 80 empresas de ambos os países, responsáveis por mais de US$ 5 bilhões anuais de comércio bilateral, não se opõe à regulamentação de salvaguardas de acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC). Pelo contrário, acreditamos que elas devam ser aplicadas quando e se necessário e somente após negociações entre os dois governos.
A importância da China se materializa, para o Brasil, pela acumulação de superávits (US$ 5,5 bilhões entre 2000 e 2004), por seu impacto no mercado de commodities, por sua demanda crescente por manufaturas e peso como parceiro comercial -absorveu 5,5% das exportações nacionais em 2004, cifra que era de 2% em 2000. Temos, portanto, total interesse na preservação do ambiente favorável aos negócios e na priorização do diálogo para resolução das eventuais fricções comerciais.
O crescimento de importações da China representa não uma "invasão", mas um processo de substituição de fornecedores externos. A tendência, presente em todo o mundo, é estreitamente ligada ao reordenamento de cadeias produtivas globais em que a China ocupa posição crucial. Os mesmos países desenvolvidos que têm investido na China e para lá transferido parte de sua capacidade produtiva vêm perdendo participação no mercado brasileiro diante de produtos chineses.
A aplicação de salvaguardas específicas é apontada como uma solução para as dificuldades de segmentos da indústria brasileira que concorrem com similares chineses. Poderá ser um paliativo para alguns setores. Mas será uma solução eficaz e duradoura?
Salvaguardas são um instrumento de aplicação temporária para proteger setores ameaçados por aumentos súbitos de importações. As específicas contra a China poderão ser aplicadas até 2013 ou, para os têxteis, até 2008, com duração máxima de 12 meses (ou de 200 dias, em casos provisórios).
A curto e médio prazos, a julgar pela experiência européia na limitação de importações de têxteis, importadores brasileiros procurarão maximizar o acesso a produtos chineses antes da imposição de barreiras eventuais.
A mera abertura de investigação deverá elevar instantaneamente a demanda pelo produto investigado. À medida que barreiras se imponham, importadores encontrarão fornecedores alternativos em outros países em desenvolvimento, não necessariamente o Brasil.
No longo prazo, salvaguardas fazem sentido se os setores protegidos se dispõem a reorganizar-se para enfrentar a competição estrangeira. Mas não solucionam o desafio fundamental da perda de competitividade diante dos chineses em terceiros mercados, que exigem a redefinição de estratégias empresariais e a diminuição do custo Brasil. Nesse ponto, o BNDES poderá ter papel relevante no apoio à reestruturação industrial e à internacionalização da produção, inclusive em território chinês.
Outro problema ligado ao comércio com a China e tampouco solucionado por salvaguardas é o contrabando. Para tratá-lo, o Brasil possui mecanismos adequados: códigos de valoração aduaneira, limitação dos portos de ingresso de importações e uso dirigido do "canal vermelho". São todos amparados nas regras da OMC e com efeito imediato e disciplinador sobre o comércio.
Mais eficaz do que salvaguardas como proteção setorial temporária é a limitação negociada de exportações, semelhante à acordada entre a União Européia e a China.
Além de poder ter aplicação imediata e com termos mais favoráveis para ambos os países do que os estipulados na OMC, uma solução negociada não implica o desgaste para as relações comerciais associado às salvaguardas.
A China assume um papel cada vez mais estratégico para a economia brasileira. As oportunidades são imensas e nem sempre facilmente transformáveis em negócios.
Os desafios são igualmente relevantes, mas a indústria brasileira, diferentemente de outros países em desenvolvimento, é suficientemente madura para sobreviver aos impactos mais duros da competitividade chinesa e superá-los.

Roger Agnelli, 46, economista e diretor-presidente da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), é presidente da seção brasileira do Conselho Empresarial Brasil-China.
@ - imprensarj@cvrd.com.br



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