São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os provedores na internet e o ICMS

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Em 2001, como ocorre todos os anos desde 1976, o CEU (Centro de Extensão Universitária) organizou um Simpósio Nacional de Direito Tributário sobre questões tributárias polêmicas, dedicando-se, naquela oportunidade, à tributação na internet. Desde o primeiro evento, a tônica dos simpósios é tentar, com especialistas de todo o Brasil e às vezes do exterior, deslindar os grandes temas da imposição fiscal ainda não pacificados, doutrinária ou jurisprudencialmente.
Ministros da Suprema Corte, do Superior Tribunal de Justiça, desembargadores dos tribunais federais e estaduais, membros do Ministério Público, professores universitários de todo o país, autoridades administrativas e advogados da área têm sempre participado desses conclaves, tendo o de 2004, em que se discutiu o princípio da não-cumulatividade, contado com a presença estimuladora e a contribuição reflexiva dos ministros Nelson Jobim, Cesar Peluso e Carlos Aires de Brito, além do ministro aposentado Moreira Alves, todos do Supremo Tribunal Federal.
No simpósio de 2001, uma das questões tratadas foi se os provedores de acesso estariam sujeitos ao ISS ou ao ICMS, a partir da investigação sobre se exerceriam ou não um serviço de telecomunicação. A esmagadora maioria dos 200 participantes -número máximo de participantes, dado que lotou o auditório do CEU- entendeu que o provedor de acesso apenas disponibiliza informações, que são transmitidas por via do sistema telecomunicativo, este sendo serviço separado do referente à disponibilização.
Entendeu a maioria dos especialistas presentes, portanto, que há dois tipos de serviço claramente delineados, quais sejam, o primeiro referente à disponibilização de dados e o segundo à sua transmissão. O primeiro é da competência dos provedores de acesso. O segundo, das empresas de telecomunicação.


Parece-me que a tese constitucionalmente correta é aquela da incidência do ISS, e não do ICMS


Pertencendo à União a competência exclusiva de explorar serviços de telecomunicações (art. 21, inciso XI), além da competência privativa de legislar sobre a matéria, definiu na lei nº 9.472/97 o que deve ser entendido como tal. Essa lei declara que o serviço dos provedores "não é um serviço de telecomunicação", mas apenas um serviço "de valor adicionado" à telecomunicação (art. 61, par. 1º). Ora, se os serviços de um provedor de acesso não são -segundo a definição do único ente com capacidade para legislar a respeito- serviços dessa natureza, à evidência, não pode ser incidido pelo ICMS, que apenas recai sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de comunicação e de transportes".
Por outro lado, se o serviço não é de telecomunicação -e o provedor de acesso só pode auxiliar a quem presta serviços de telecomunicações (as empresas de telecomunicações)-, não é também serviço elementar de comunicação, como bem acentuou o ministro Moreira Alves, em sua palestra no CEU (in "Contribuições de intervenção no domínio econômico", "Pesquisas Tributárias Nova Série - 8", ed. Revista dos Tribunais, 2002, pág. 15/35).
Ora, sendo um serviço auxiliar, mas não de telecomunicação, é serviço que só pode ser incidido pelo ISS, que é tributo municipal, e não pelo ICMS, que é estadual. A matéria está em julgamento no STJ, havendo, no momento, quatro votos favoráveis à tese da não-tributação pelo ICMS e sim pelo ISS e três contrários, a saber: ministros Castro Meira, Peçanha Martins, Franciulli Netto e Otávio Noronha (a favor); e Teori Albino, José Delgado e Luiz Fux (contra). Faltam votar os ministros Francisco Falcão e Denise Arruda. Em turma, a ministra Eliana Calmon votara pela não-incidência do ICMS.
Parece-me que a tese constitucionalmente correta é aquela da incidência do ISS, e não do ICMS, como propugnei no livro "Tributação na Internet" (ed. Revista dos Tribunais/CEU, 2001), que foi defendida também pelos seguintes autores: Celso Bastos, Hugo de Brito Machado, Sacha Calmon, Newton de Lucca, Francisco de Assis Alves, Kiyoshi Harada, José Eduardo Soares de Mello, André Ramos Tavares, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, Sérgio Kawasaki, Marilene Talarico Martins Rodrigues e Fernando Scaff. Foi o que acentuou o eminente ministro Domingos Franciulli Netto em seu voto, ao transcrever muitas das opiniões dos mencionados autores, tendo o referido simpósio concluído, em plenário, que:
"Serviços de telecomunicação, para fins de ICMS, são serviços de transmissão de mensagens entre pessoas, por determinado veículo, a título oneroso.
A competência para definir quais são os serviços de telecomunicações é da União Federal, que, ao editar a Lei Geral de Telecomunicações de forma compatível com a Constituição Federal, excluiu os serviços prestados pelos provedores. As atividades desenvolvidas entre os provedores de acesso e os usuários da internet se realizam, também, mediante a utilização dos serviços de telecomunicações, sendo ambos, portanto, usuários dos serviços de telecomunicação. Logo, a atividade exercida pelos provedores de acesso em relação a seus clientes não se confunde nem com os serviços de telecomunicação, nem com os serviços de comunicação. Tal atividade não está sujeita ao ICMS" ("Contribuições de intervenção no domínio econômico", ob. cit., pág. 425/6).

Ives Gandra da Silva Martins, 69, advogado tributarista, é professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército.


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