|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O lugar das universidades públicas
HERNAN CHAIMOVICH
A transferência do sistema de
universidades (ou Instituições Federais de Ensino Superior, Ifes) do Ministério da Educação para o MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) é uma
proposta recorrente em cada mudança
de governo e, desta vez, está sendo cogitada tendo como pretexto a importância da incorporação do conhecimento
na produção.
A transferência das Ifes para o MCT
não fortalece a relação entre conhecimento e produto; pelo contrário, além
de enfraquecê-la, pode dificultar as necessárias e urgentes mudanças do sistema brasileiro de ensino pós-secundário
e impedir a incorporação da inovação
na política nacional de ciência e tecnologia.
Entidades nacionais representativas
da comunidade científica, como a SBPC
(Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciências), têm se manifestado, repetidamente, contrárias à transferência
do sistema de ensino superior gratuito e
federal para o MCT. Essas manifestações, em parte, sustentam-se numa consideração orçamentária simples.
O orçamento das Ifes é de mais de R$
6 bilhões e sempre faltam recursos. O
orçamento total do ministério é de cerca
de R$ 2 bilhões, que seriam quase fatalmente incorporados para sanar as necessidades das universidades. Então, o
papel do MCT na gestão e no financiamento da interação entre produção de
conhecimento e inovação, agora sem
orçamento, seria impossível.
No Brasil a proporção de jovens que
têm entre 17 e 25 anos de idade e que,
terminado o ensino secundário, continuam estudando é da ordem de 12% do
total -percentagem essa inferior não
só à dos países desenvolvidos, mas menor que a de muitos outros países latino-americanos. Esse mecanismo de exclusão social somente mudará se o sistema de ensino pós-secundário, do qual
as universidades são uma parte, vier a se
diferenciar comportando estabelecimentos de ensino de diversas naturezas.
Uma parte das universidades públicas
federais, bem como das estaduais, tem
um forte componente de pesquisa. Nessas, a relação concreta entre o ensino e a
pesquisa, e não uma indissociabilidade
formal, permite oferecer ensino profissional diferenciado e formar mestres e
doutores de uma qualidade comparável
às melhores do mundo. Os recursos para pesquisa nessas universidades são
adicionais aos orçamentos, provêm de
fontes diversas, públicas e privadas, têm
função específica e dependem de projetos com metas e responsáveis podendo
ser cobrados pelos objetivos propostos.
Esse duplo canal de aporte de recursos
é comum; a avaliação e o financiamento
paralelo do ensino e da pesquisa são a
regra em países mais desenvolvidos.
As mudanças estruturais, a descentralização geográfica da capacidade de
produção de conhecimento e o aumento das matrículas nas Ifes são necessidades urgentes no Brasil. O aumento da
capacidade de ensino e de produção de
conhecimento nas Ifes depende de recursos, mas também de avaliação, para
que, sem contingenciamentos, financiamentos pactuados e metas alcançadas
sejam respeitados.
É claro que aproximar, no Brasil real, a criação do conhecimento de sua utilização é um desafio
|
Em particular, todo o sistema de avaliação e financiamento da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao MEC,
possibilitou o enorme avanço da pós-graduação nos últimos trinta anos. Esse
projeto nacional foi um sucesso porque,
centralizado na pós-graduação como
sistema, e não em projetos individuais,
permitiu o avanço paralelo da pesquisa
e da formação de pessoal.
Recursos orçamentários adicionais
para aumentar a qualidade do ensino e
o número de matrículas nas Ifes podem
ser também pactuados com o MEC. A
criação de uma agência independente
de avaliação da graduação, no modelo
da Capes, dentro do Ministério da Educação, insistentemente proposta pela
comunidade acadêmica, poderá permitir um crescimento e desenvolvimento
da graduação comparável ao da pós-graduação.
A experiência dos fundos setoriais no
apoio à infra-estrutura das Ifes é uma
demonstração concreta de que, em havendo recursos, os melhores projetos
podem ser financiados, os compromissos assumidos podem ser transparentes
e, portanto, cobrados por toda a sociedade. Recursos adicionais para pesquisa e infra-estrutura nas universidades
públicas podem também vir do MCT,
mas devem ser atrelados a metas pactuadas e a um sistema de cobrança a fim
de constituir mecanismos seguros de
aumento de qualidade sem mudar a
missão das universidades.
É claro que aproximar, no Brasil real,
a criação do conhecimento de sua utilização é um desafio. A criação do sistema nacional de ciência, tecnologia e
inovação, incluindo o setor produtivo,
como proposto na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação,
depende do fortalecimento do Ministério da Ciência e Tecnologia, trazendo,
por exemplo, a Secretaria de Tecnologia
do Ministério do Desenvolvimento para
o MCT.
O Ministério da Ciência e Tecnologia
tem como responsabilidade precípua a
gestão e a articulação dos sistemas de
produção e o uso social do conhecimento, ou, como se diz, a articulação entre
ciência, tecnologia e inovação.
A responsabilidade do MCT, portanto, não passa pela supervisão do ensino
superior, que assim ficaria dissociado
do sistema nacional de ensino. A incorporação das universidades a esse ministério, desviando o foco central deste, dificultaria a gestão de políticas públicas
integradas para apoio à criação de conhecimento, para fortalecer as relações
entre conhecimento e produto e estimular a inovação no sistema produtivo.
Hernan Chaimovich, 63, é diretor do Instituto
de Química da Universidade de São Paulo.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Luiz Antonio Nabhan Garcia e Sigeyuki Ishii: O Pontal do Paranapanema
Índice
|