São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Pontal do Paranapanema

LUIZ ANTONIO NABHAN GARCIA e SIGEYUKI ISHII

Muito se tem discutido a respeito das terras do Pontal do Paranapanema, notadamente os conflitos agrários gerados pelos membros do chamado MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que tentam criar dúvidas quanto à legitimidade dos títulos de propriedade existentes naquele pedaço do Estado de São Paulo, forçando, com isso, o governo a promover a expulsão dos proprietários da região de suas legítimas propriedades, para dar lugar aos trabalhadores sem terra.
E aqui cabe a indagação: Seriam esses proprietários realmente grileiros para merecer esse tratamento? Para responder é necessária uma breve investigação histórica a respeito dos primórdios da colonização daquela região.
A penetração nos sertões do Pontal do Paranapanema deu-se em meados do século 17, pelo vale do rio Santo Anastácio, por ocasião da expedição colonizadora chefiada pelo sargento-mor Teotônio José Juzarte (composta de 800 pessoas, entre soldados, homens, mulheres e crianças), em 1769.
No entanto a colonização ocorreu anos depois, quando, por volta de 1847, um grupo de mineiros liderados por José Teodoro de Souza iniciou a ocupação permanente da região pelo território que compreende as bacias dos rios Paranapanema, Santo Anastácio e Peixe. Essa ocupação das terras incultas era na época tolerada e passou a ser legalizada a partir da edição da Lei de Terras nš 601, de 1850, promulgada tendo em mira o respeito e a garantia da ocupação primária da terra. Assim nasceram os títulos de propriedade na região.
Todos os títulos foram registrados nos cartórios de Registro de Imóveis, bem como passaram, desde então, a sofrer desmembramentos, dando origem a diversas novas propriedades, inclusive mediante contratos de assentamento de imigrantes firmados pelo Governo Provisório da República.
Sobreveio em 1891 a Constituição da República, que passou para os Estados da Federação as terras que ainda se encontravam devolutas. No Estado de São Paulo, a partir de 1895, foram baixadas diversas disposições, todas respeitando a posse da terra desocupada, bem como estimulando a sua regularização.
No caso do imóvel que ficou conhecido como "Pirapó-Santo Anastácio" (que abrange parte dos municípios de Presidente Prudente, Álvares Machado, Presidente Bernardes, Santo Anastácio, Presidente Venceslau, Piquerobi, Caiua, Presidente Epitácio, Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema, Euclides da Cunha Paulista e Rosana, entre outros), o seu primitivo registro foi realizado no ano de 1890 e, no ano de 1900, passou a integrar o Registro Público das Terras Públicas e Particulares como imóvel de caráter particular.


As terras que formam boa parte do Pontal do Paranapanema não são fruto de uma grilagem qualquer

No ano de 1910 o governo do Estado iniciou a ação discriminatória envolvendo todo o território da Alta Sorocabana, inclusive o que ficou conhecido como Pontal do Paranapanema, sendo que os títulos lá exibidos, incluindo o chamado Pirapó-Santo Anastácio, foram considerados legítimos.
A fazenda Pirapó-Santo Anastácio foi objeto de divisão judicial em 1908, com a habilitação de mais de 3.000 condôminos, sendo que a Fazenda do Estado de São Paulo, a despeito de citada, não se interessou naquela época em ingressar no processo.
No transcorrer do último século, diversas comarcas foram instaladas naquele território, tendo o Estado participado ativamente da criação e implantação de serviços públicos, notadamente os cartórios de Registros de Imóveis, que deveriam oferecer garantia e segurança de legitimidade às transações lá registradas.
Em 1945, o governo do Estado legitimou, através de lei, independente de processo, todos os títulos de propriedade existentes no Estado que estivessem registrados havia mais de 20 anos, ou seja, desde 1925. Esse é o caso de todos os adquirentes de parcelas do imóvel Pirapó-Santo Anastácio.
Resulta, pois, que as terras que formam boa parte do Pontal do Paranapanema não são fruto de uma grilagem qualquer, que deve agora ser coibida pelo Estado, como podem acreditar os menos informados; mesmo porque, se irregularidade nenhuma ocorreu, o Estado de São Paulo contribuiu e muito com a situação hoje consolidada naquela região, e a sua ação política, no sentido de tentar arrecadar terras com base numa suposta fraude verificada há muito mais de cem anos, só está atingindo a terceiros de boa-fé que acreditaram nos registros públicos instalados e mantidos pelo próprio Estado.
Conclui-se, pois, que os proprietários não tiveram participação em nenhuma prática irregular naquele antigo registro imobiliário de 1890, sendo na realidade vítimas dos registros públicos criados e mantidos pelo governo do Estado.


Luiz Antonio Nabhan Garcia, 44, é presidente da UDR (União Democrática Ruralista). Sigeyuki Ishii, 63, é presidente do Sindicato Rural de Presidente Prudente (SP).


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