São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NELSON MOTTA

Tati Quebra-Barraco em Berlim

RIO DE JANEIRO - Não há o que estranhar: ela é feia, mas está na moda. O funk também é música brasileira e não é novidade. Novidade é a atenção da grande imprensa e a adesão da classe média à velha nova onda, que nasceu nos subúrbios cariocas nos anos 70.
Mais velha ainda é a reação moralista, que grita sempre que aparece uma nova dança que alegre, divirta e mexa com a libido das pessoas. Charleston, tango, maxixe, samba, rock and roll, mambo, disco, pogo, todas a seu tempo foram consideradas "dança do diabo", incitação ao sexo e a perversões, atentatórias aos valores familiares, à religião e ao Estado. Foi assim ao longo de um século e certamente as pessoas teriam enlouquecido se não lhes tivesse sido permitido, ao menos, dançar.
Quem se preocupa com a ameaça do funk deveria ver que essas jovens multidões que enchem os bailes e pulam e gritam e suam e se esfregam e se divertem estão extravasando tensões e raivas e ressentimentos que, muitas vezes, levam à violência, às drogas e ao crime.
Protegeriam melhor suas famílias se estimulassem os bailes, essas panelas de pressão dançantes, onde a sexualidade é o grande alívio das tensões. Agora, se a sua, ou a minha, filha gosta de ser chamada de cachorra, se gosta que o seu garoto lhe de uns tapinhas e se, além de tudo, esse garoto não é branco... Mas não é culpa do funk.
A libido dos jovens é exacerbada e os tempos são violentos. Como eles dançam, como se vestem e se despem, a língua que falam, o que gostam, querem e acreditam são fruto da cultura de rua das periferias das grandes cidades. Da pobreza e da exclusão nasceram um ritmo, uma atitude e uma liberdade sexual que, juntos, ficaram tão gostosos que todos, até a classe média careta, quer brincar.
É este o filme. O funk é só a trilha sonora.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Governo de esquerda
Próximo Texto: José Sarney: Revoada de estrelas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.