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JOSÉ SARNEY
Bons Anos
Uma das leis de escrever colunas é
ter alguma coisa a dizer aos leitores -é aproveitar o cotidiano do fato,
olho no mote, e atirar. Assunto passado e requentado já era. Tudo na sua
justa hora.
Neste ano, a minha sexta-feira desta
página já ouvia os sinos do Natal, mas
parecia longe dele, e a de hoje está na
mesma situação, depois dele e longe
do fim do ano. Fui atropelado pelas
datas.
Assim, melhor falar do que passou e
do que virá. O ano de 2003 foi de perplexidades e surpresas. Perplexidade
dos que acreditavam no caos, que não
aconteceu, e surpresas quanto ao desempenho equilibrado e correto da
economia. Agora é esperar o crescimento. Sem crescer, não vamos além
das palavras.
A invenção do tempo é extraordinária porque nos faz colocar marcos no
nada e, a partir daí, datar e medir as
pessoas e as coisas, começando por
mensurar o envelhecimento.
Ano, como escala do tempo, é o que
mais envelhece. Ninguém representa
o dia, a semana ou o mês barbudos,
esqueléticos, às vésperas do buracão.
Já aos anos se chama de velhos, e sua
representação é de debilidade e morte.
Papai Noel não envelhece nem remoça. Nasceu velho, velho aparece e desaparece. Por outro lado, não morre.
Ninguém viu Papai Noel morto ou
doente. Está sempre jovial, vendendo
saúde, carregando sacos, puxando o
trenó, entrando em chaminés. É um
velho ágil. Existia um deus mitológico
que tinha o segredo da respiração, por
isso não se cansava nem deixava os
pulmões pararem.
Eu tenho um amigo que detesta Papai Noel. Acha uma invenção boba e
mais bobo ainda o cultivo de sua imagem, enganando crianças e se replicando em disfarces que, sendo um,
são todos. E conclui com exasperação:
"É um estelionatário".
Exagero? É uma criação boa, só tem
aspectos bons, só aparece em dezembro, não chateia o ano todo nem se
desgasta. Vai embora e hiberna para o
outro ano.
Ano Velho e Ano Novo são diferentes. O primeiro, chegado o dia 31, evapora-se, sem direito à ressurreição. Já
o novo se prepara para a mesma tarefa, e nós, com a graça da vida, convivemos com eles dois e outros mais, lembrados por marcas e episódios. Saddam Hussein, certamente, jamais se
esquecerá deste ano.
Uma vez uma vidente, que sabia ver
a sorte através de número par ou ímpar, olhou, em Araxá, e me disse de
supetão: "O senhor quer ganhar uma
eleição? Se for em ano ímpar, ganhará.
Se par, caia fora". Quando o presidente Castello Branco marcou as eleições
de governador para 1965, e não 1966,
lembrei-me da cartomante de Araxá e,
sem acreditar, comecei a torcer para
que fosse verdade. E foi.
Os anos, mais do que os Natais, precisam ser interpretados. Os símbolos
que deixaram.
Hoje, com essa história de "tempo
real", o tempo foi comprimido: o hoje,
o ontem, o presente e o passado ficam
todos compactados, e a gente olha para trás como se tudo fosse muito longe. Ao abrirmos essa miniatura, deparamos com um volume de fatos e a velocidade com que aconteceram, tornando tudo como se fosse um século.
Nós não temos mais capacidade de digerir o que acontece em cada ano. Precisamos construir um segundo andar
em cada ano.
Tudo isso para dizer que quero mesmo é desejar Bons Anos -não só
2004, mas todos os que a vida nos der.
José Sarney escreve às sextas nesta coluna.
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