São Paulo, quarta-feira, 27 de fevereiro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O holocausto brasileiro
CARLOS MIGUEL AIDAR
As autoridades públicas precisam romper o ciclo do discurso inconsistente e dar um basta à escalada de violência e ao sacrifício de vítimas inocentes. Caso contrário, o Brasil afundará, de maneira inexorável, nos espaços da barbárie, delimitados pelo crime organizado. Há muito tempo, dentro das cadeias, as facções já decidem quem vive e quem morre, submetendo os presos comuns ao seu "regramento". O combate à nefasta atuação dessas organizações, no entanto, não pode embotar nosso entendimento sobre a lei. O Estado precisa garantir ao encarcerado o mínimo de dignidade para cumprir sua pena, mas com celas superlotadas, sem as mínimas condições de higiene e privacidade, vem impondo um "castigo" adicional não estabelecido pela Justiça. Esse quadro, em vez de surtir o efeito desejado de punir, transforma-se em um terreno fértil para as facções criminosas. A capacidade de organização das facções criminosas já tinha sido dimensionada durante a megarrebelião em fevereiro do ano passado, que mobilizou 29 unidades prisionais em todo o Estado. Assim, como em 2001, as autoridades públicas falharam ao subestimar seu poder; podem falhar, novamente, se atribuírem a sequência de atos criminosos a uma simples disputa de facções ou a uma forma de resposta ao endurecimento da ação policial dentro do sistema carcerário. Não existe democracia sem paz social, devendo o Estado utilizar meios de coerção e força, com base na lei, para preservá-la. A segurança pública tem um papel fundamental na manutenção do Estado democrático, que está a exigir mais ação e menos discurso, mais vigor e menos leniência e, sobretudo, um planejamento estratégico que contemple, de maneira profunda e duradoura, as reais demandas da sociedade brasileira por segurança. O que intimida a violência não é o incremento da pena, mas a certeza do fim da impunidade. Se no país já vivemos a experiência de ter um "Estado" dentro de um Estado, com a ação do crime organizado decretando leis próprias para determinadas comunidades, agora temos essa experiência ampliada com nefastas repercussões para a sociedade. O poder público não pode ser tolerante para não incorrer no erro de, ao ter pena do diabo, ocupar o lugar dele. Demonizar o crime organizado é dar a devida dimensão à sua tentativa de dominação opressiva da vida dos brasileiros, que povo e Estado devem repelir com veemência, sob pena de viverem um holocausto. Carlos Miguel Aidar, 54, advogado, é presidente da seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: João Herrmann Neto: Cerco Índice |
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