São Paulo, quarta-feira, 27 de fevereiro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Cerco
JOÃO HERRMANN NETO
Se há alguma novidade nisto, nem que seja requentada, é que a candidatura Lula foi atingida pelo vírus da destrutibilidade muito antes que das outras vezes, para desespero dos estrategistas palacianos. O candidato por eles preferido para ser vencido não se apercebeu disso na sua quarta tentativa. Em 1989 Lula perdeu sua maior chance nas últimas 72 horas. Em 1994 perdeu nos últimos 30 dias; em 1998, nos últimos 60 dias. Estas ambas no primeiro turno. Agora mostra-se isolado e em condições de ser derrotado desde o início de 2002. A excepcional figura e o incalculável valor desse retirante que se transformou no maior líder popular do Brasil no século 20, depois de Getúlio, não merecia tal tratamento pelo seu partido, o PT, o maior da esquerda brasileira. Papel menor foi reservado ao PMDB. O tratamento dado ao governador Itamar Franco chega a ser ignóbil pelo que ele desempenhou recentemente na reconstrução do Estado democrático brasileiro. Resta então a capacidade de se construir o diálogo nacional, sem o PT. Candidaturas como as de Garotinho e Ciro Gomes, o futuro de Itamar Franco, a decisão de Brizola e o novo PTB definirão ou não uma candidatura única de centro-esquerda. Itamar tem o governo de Minas Gerais na companhia de Newton Cardoso, que muitos dizem não ser saudável. Há nomes fortes no processo sucessório mineiro, de Eduardo Azeredo a João Leite. E cobiçados, como o senador José Alencar. Minas é o segundo colégio eleitoral. Garotinho, governador bem avaliado e hoje proprietário de um partido, pode se dar ao luxo de lançar sua esposa, Rosinha, candidata enquanto tem a vice do PT. Mas pela própria escolha pode voltar a ser candidato no Rio numa disputa que todos consideram "barbada" e "cacifar-se" para a próxima, num Estado onde a capital tem como prefeito o respeitabilíssimo Cesar Maia e é o terceiro colégio eleitoral do país. Ciro Gomes, o mais temido e até o mais odiado pelo Planalto e seu ocupante, ouvindo as réstias de conversas que dele se esvai, construiu uma aliança com o PTB que incomodou a esquerda e a direita, porém pela viabilização de sua candidatura e não por razões ideológicas. É dono de um projeto bem estruturado para o país e conhece por dentro, assim como Itamar, os meandros do poder e os interesses nacionais e internacionais que o acompanham. Sem mandato desde o Ministério da Fazenda, como guardião do real, optou por construir na classe média e formadores de opinião a repercussão do seu discurso de retomada do desenvolvimento do país. Acompanha-o um partido aguerrido e democrático, o PPS, e talvez um dos nossos últimos produtores ideológicos, Mangabeira Unger. Leonel de Moura Brizola, brasileiro, joga as fichas de um homem de bem na salvaguarda de um país a quem serviu por todos estes anos com honestidade e respeito a seu povo. O PTB, renascido por José Carlos Martinez, Mares Guia e tantos outros, recupera uma das pernas do trabalhismo brasileiro, herdeiro de Vargas, e foi o partido que mais cresceu na expectativa de construir uma nova forma democrática de poder. Aliou-se desde a primeira hora sucessória a Ciro Gomes. Nesse pentágono de forças pode surgir uma candidatura única com projeto real e força para vencer e governar. Se falarão mais alto os objetivos do Brasil, não se sabe, mas existe a oportunidade histórica para que isso aconteça. Argentinas, Torres Gêmeas, sequestros e outros vai-e-vens surgirão. Serão 210 dias de cerco. Propagandas não faltarão. Méritos e deméritos também não. João Herrmann Neto é deputado federal (PPS-SP). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Carlos Miguel Aidar: O holocausto brasileiro Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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