São Paulo, quarta-feira, 27 de fevereiro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Cerco

JOÃO HERRMANN NETO

Há uma conquista inegável que definirá o processo de sucessão do atual presidente da República, que se fará sob o manto pleno da democracia política. Vige a Constituição no Brasil.
Constituiu-se uma base governista vitoriosa a partir de 1994 que passa hoje por uma crise de hegemonia. Naquela ocasião, PPB, PFL, PTB e PSDB tiveram na candidatura do ministro Fernando Henrique Cardoso o seu ponto de convergência. Apesar das diferenças partidárias. Desde suas distintas origens até suas convicções ideológicas, passando pelos problemas da escolha do vice que antecedeu Marco Maciel. No entanto o sucesso do real e a figura consensuada do democrata e sociólogo candidato fizeram prosperar e consolidar a aliança.
Em 1998 repete-se a mesma coligação, agora reforçada pelo PMDB e pela posição de presidente do ex-ministro Cardoso e conseguida pela mudança constitucional permitindo a reeleição.
Em 2002 não existe o ponto de equilíbrio e o presidente Fernando Henrique não pode ser candidato reeditando a convergência. Os que se surpreendem com as diferentes candidaturas e as disputas entre os partidos da base relegam a memória recente ao limbo. Afinal quem era o delfim do atual governo senão a figura respeitada do deputado Luiz Eduardo Magalhães, do PFL? Quando a sina precoce o leva de nós, quem senão seu pai, senador Antonio Carlos Magalhães, do PFL, frequenta em segundo lugar as pesquisas eleitorais, antes que o painel o defenestrasse?
E hoje quem ocupa esse lugar de destaque é a figura da governadora Roseana Sarney. Do PFL. Surpresa? Nenhuma! Pois é reconhecidamente uma operadora política de trânsito fácil e com a experiência administrativa que Luiz Eduardo não tinha e não gostava. A sabedoria da elite dirigente do país, agora, sob os olhos de um não menos famoso e importante pai, reedita a Aliança Democrática de 85, de Tancredo Neves e José Sarney.
Se há novidade é no campo do PSDB, que teve seus ideais sequestrados pelo PFL e se debateu entre a autoridade do "governante presidente" e o lançamento de candidaturas que a comprometessem. Nomes significativos da política nacional e com alta respeitabilidade, como Tasso Jereissati, Aécio Neves e Dante de Oliveira, foram atropelados deixando um corpo estendido no asfalto, que é a candidatura José Serra. A aliança se esboroa, embora não seja impossível que ela seja ressuscitada.


Ciro Gomes é dono de um projeto bem estruturado para o país e conhece por dentro, como Itamar, os meandros do poder


Se há alguma novidade nisto, nem que seja requentada, é que a candidatura Lula foi atingida pelo vírus da destrutibilidade muito antes que das outras vezes, para desespero dos estrategistas palacianos. O candidato por eles preferido para ser vencido não se apercebeu disso na sua quarta tentativa. Em 1989 Lula perdeu sua maior chance nas últimas 72 horas. Em 1994 perdeu nos últimos 30 dias; em 1998, nos últimos 60 dias. Estas ambas no primeiro turno. Agora mostra-se isolado e em condições de ser derrotado desde o início de 2002.
A excepcional figura e o incalculável valor desse retirante que se transformou no maior líder popular do Brasil no século 20, depois de Getúlio, não merecia tal tratamento pelo seu partido, o PT, o maior da esquerda brasileira.
Papel menor foi reservado ao PMDB. O tratamento dado ao governador Itamar Franco chega a ser ignóbil pelo que ele desempenhou recentemente na reconstrução do Estado democrático brasileiro. Resta então a capacidade de se construir o diálogo nacional, sem o PT. Candidaturas como as de Garotinho e Ciro Gomes, o futuro de Itamar Franco, a decisão de Brizola e o novo PTB definirão ou não uma candidatura única de centro-esquerda.
Itamar tem o governo de Minas Gerais na companhia de Newton Cardoso, que muitos dizem não ser saudável. Há nomes fortes no processo sucessório mineiro, de Eduardo Azeredo a João Leite. E cobiçados, como o senador José Alencar. Minas é o segundo colégio eleitoral.
Garotinho, governador bem avaliado e hoje proprietário de um partido, pode se dar ao luxo de lançar sua esposa, Rosinha, candidata enquanto tem a vice do PT. Mas pela própria escolha pode voltar a ser candidato no Rio numa disputa que todos consideram "barbada" e "cacifar-se" para a próxima, num Estado onde a capital tem como prefeito o respeitabilíssimo Cesar Maia e é o terceiro colégio eleitoral do país.
Ciro Gomes, o mais temido e até o mais odiado pelo Planalto e seu ocupante, ouvindo as réstias de conversas que dele se esvai, construiu uma aliança com o PTB que incomodou a esquerda e a direita, porém pela viabilização de sua candidatura e não por razões ideológicas. É dono de um projeto bem estruturado para o país e conhece por dentro, assim como Itamar, os meandros do poder e os interesses nacionais e internacionais que o acompanham. Sem mandato desde o Ministério da Fazenda, como guardião do real, optou por construir na classe média e formadores de opinião a repercussão do seu discurso de retomada do desenvolvimento do país. Acompanha-o um partido aguerrido e democrático, o PPS, e talvez um dos nossos últimos produtores ideológicos, Mangabeira Unger.
Leonel de Moura Brizola, brasileiro, joga as fichas de um homem de bem na salvaguarda de um país a quem serviu por todos estes anos com honestidade e respeito a seu povo.
O PTB, renascido por José Carlos Martinez, Mares Guia e tantos outros, recupera uma das pernas do trabalhismo brasileiro, herdeiro de Vargas, e foi o partido que mais cresceu na expectativa de construir uma nova forma democrática de poder. Aliou-se desde a primeira hora sucessória a Ciro Gomes.
Nesse pentágono de forças pode surgir uma candidatura única com projeto real e força para vencer e governar. Se falarão mais alto os objetivos do Brasil, não se sabe, mas existe a oportunidade histórica para que isso aconteça.
Argentinas, Torres Gêmeas, sequestros e outros vai-e-vens surgirão. Serão 210 dias de cerco. Propagandas não faltarão. Méritos e deméritos também não.


João Herrmann Neto é deputado federal (PPS-SP).



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