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CLÓVIS ROSSI
Maçanetas e dignidade
SÃO PAULO - Volto a uma história
contada pelo velho sábio que habitava esta Folha. Uma vez, ele perguntou a um governador biônico,
seu amigo, porque gostava tanto de
ser governador.
Resposta: "Ah, meu caro, você
não sabe como é bom passar quatro
anos sem precisar nem sequer pôr a
mão na maçaneta da porta" (não
havia reeleição naquela época; imagine a delícia agora que o cidadão
passa oito anos tendo sempre um
"aspone" para cuidar da delicada
tarefa de abrir portas).
Na verdade, não são apenas governadores (ou prefeitos ou presidentes) que gozam das benesses de
ter casa, comida e roupa lavada enquanto exercem o cargo. Deputados e senadores também, embora
em menor escala.
É natural, por isso, que políticos
em geral tenham uma ideia apenas
virtual de como é abrir uma porta,
para não mencionar verdadeiras
dificuldades.
Essa distância só é quebrada, infelizmente, em caso de tragédia, como a que acaba de ocorrer com David Cameron, líder do Partido Conservador britânico, que, se a eleição
fosse hoje, seria o substituto de
Gordon Brown como primeiro-ministro, dizem as pesquisas.
Cameron perdeu o filho Ivan, de
seis anos, vítima de um tipo raro de
epilepsia. Humanizou-se em consequência, tanto no trato que lhe
dedicou a mídia local como o mundo político.
A questão é saber se a humanização irá adiante ou, como escreve o
jornal "The Times", se "seu partido,
informado pela experiência do que
é depender tão pesadamente do
Serviço Nacional de Saúde [público], mudará a Grã-Bretanha?".
Posto de outra forma: os políticos, de direita ou de esquerda, entenderão que a grande maioria da
população, no Reino Unido como
no Brasil, é obrigada a pôr a mão na
maçaneta da saúde pública e que,
por isso, ela deveria abrir a porta
para a dignidade?
crossi@uol.com.br
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