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JOSÉ SARNEY
O Carnaval é um barato
O CARNAVAL é um ser vivo,
tem sua dinâmica, sua
transformação e é influenciado pela geografia, pelo clima, pela natureza, pela gente que o faz e
desfaz. Não vem da Roma das orgias saturnais nem da Grécia das
bacanais e dionisíacas. É do Brasil
mesmo.
Há vários e incontáveis carnavais. Um é da vila mais longe no
meio da água da Amazônia, onde se
pinta o corpo, faz baile no rio e sexo
na mata. Outro é o de Pernambuco,
onde as crianças já nascem com as
articulações próprias para enrolar
as pernas no ritmo do frevo, que
não se sabe de onde vem ou como
começou e que o Capiba aproveitou para compor excitantes tocados.
O Carnaval da Bahia é o da Bahia,
não há como descrever. É Gil, Ivete
Sangalo, Carlinhos Brown e os Filhos de Gandhi.
O do Maranhão, com os nomes
dos blocos picantes, cada um querendo ser mais criativo e escatológico, como o Siri-na-Vara, o Máquina-de-Descascar-Alho. E o Carnaval da roça, com galinhas mortas
e peladas lanceadas em varas em
honra a são Belibeu.
O Carnaval é uma festa da imaginação em cada lugar e em cada um.
O do Rio é um teatro a céu aberto,
enredo que não se entende, mistura Netuno com Adriane Galisteu e
Viviane Araújo, Neguinho da Beija-Flor, que casa na avenida tendo como padrinhos a primeira-dama e o
Presidente da República, que depois joga para o povo camisinhas
made in Ministério da Saúde, com
obrigação de utilizar o produto, para não perder o dinheiro público.
Senão, o TCU.
Morreu um irmão de minha avó
no sábado de Carnaval. Um tio
meu, farrista e carnavalesco, já tinha mandado fazer a fantasia e pediu à família: "Só me comuniquem
na quarta-feira, para começar meu
luto".
É assim o Carnaval. Nem os cemitérios escapam da fuzarca. Desde sempre, blocos de bêbados os
invadem para despertar os mortos
com as velhas marchinhas do "Eu
quero mamar" ou "Chiquita bacana lá da Martinica".
Hoje o Carnaval é uma coisa.
Ano que vem é outra. Senti falta, no
deste ano, do Joãosinho Trinta,
não dele mesmo, mas das mulatas
com seus corpos belos, esculturas
de Deus, substituídas por louras
com mais lantejoulas que gingado.
É difícil entender o Brasil sem o
Carnaval. É a cultura da convivência, do amor ao corpo, da explosão
de alegria. Isso é viver.
E eu aqui, nestes três dias, lendo
a "História das Guerras" e o delicioso livro de memórias do Alberto
da Costa e Silva, a "Invenção do
Desenho".
É. A cada um o seu pecado.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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