São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Energia limpa que os ventos podem trazer

IDELI SALVATTI

Mais do que um leilão ocasional, o país deve definir uma política permanente de exploração dos potenciais eólico e de biomassa

O MINISTRO de Minas e Energia, Edison Lobão, atendendo a uma solicitação que lhe fiz, comprometeu-se a prorrogar por um período de no mínimo 15 dias o prazo para a consulta pública sobre o leilão de reserva de energia eólica. Isso permitirá que a sociedade analise o assunto por mais tempo e elabore críticas e sugestões com a profundidade e a seriedade que o tema requer.
Fazer do limão uma limonada -essa é a oportunidade que se coloca para o Brasil neste momento de crises que se alimentam: a financeira, a energética e, principalmente, a climática. No Brasil, a hidreletricidade é a base do sistema elétrico, com presença superior a 85% da energia efetivamente gerada. Reforçando essa vocação, existe uma perfeita complementaridade entre as fontes hidráulica, eólica e de biomassa. Os períodos secos do ano produzem bons ventos e são também as estações em que se colhe a cana-de-açúcar, com grande produção de biomassa.
Dessa forma, pode-se consumir a energia alternativa e reduzir a demanda das usinas hidrelétricas. O sistema poderá armazenar água e aumentar a reserva de energia hidrelétrica sem ter de construir novos reservatórios. Todas as fontes de energia geram impactos positivos e negativos, sejam eles ambientais, sejam sociais ou econômicos. Atualmente, somos o país de maior potencial para a geração de energia ambientalmente sustentável.
Estamos na região do planeta mais bem servida em termos de ventos adequados à geração de energia elétrica. Ventos de excelente qualidade -velozes e constantes. Entretanto, essa vantagem só vai se realizar caso existam planejamento adequado e políticas públicas que induzam ao desenvolvimento de tecnologias e à exploração desse potencial. Todas as fontes energéticas, em sua fase de desenvolvimento, necessitam de incentivos governamentais para sua consolidação e para alcançarem competitividade.
Foi assim com o petróleo, na histórica campanha "O petróleo é nosso", quando o governo brasileiro decidiu criar a Petrobras, apesar das resistências. No caso da energia elétrica, houve dependência do poder público para sua implantação e essa fonte só alcançou o desenvolvimento atual depois da criação de grandes estatais, como a Eletrobrás. O Estado brasileiro, por meio do Proálcool, deu enormes incentivos para o desenvolvimento da indústria do álcool combustível.
Está sendo assim neste início do século 21, quando o Brasil decidiu ampliar a participação do gás natural em sua matriz energética e contou com a Petrobras para subsidiar e consolidar o mercado de gás até que esse combustível se mostrasse viável. Da mesma forma, para consolidar a realização de seu potencial em relação à geração de energias limpas, o Brasil também precisará criar e ampliar suas iniciativas em políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento e ao aproveitamento das fontes alternativas.
Além da questão energética, é importante destacar o papel indutor de desenvolvimento regional que a indústria de energias renováveis pode desempenhar.
O principal potencial eólico, por exemplo, encontra-se nas regiões Sul e Nordeste. O aproveitamento da energia eólica, portanto, será um importante fator de desenvolvimento sustentável para essas regiões. A geração eólica requer a produção de equipamentos de alta tecnologia. O Brasil pode aproveitar seu potencial e seus excelentes técnicos da área aeroespacial a fim de atrair a indústria mundial desses equipamentos. Para tanto, precisamos de política industrial específica.
A possibilidade de assegurar impactos positivos no desenvolvimento nacional da tecnologia é evidente, tanto pelo efeito em cadeia sobre a economia regional quanto em áreas como educação. A instalação da nova indústria poderá induzir a instalação de escolas técnicas e superiores com currículos próprios para a formação de técnicos e especialistas nas tecnologias eólica, de biomassa e de outras fontes renováveis.
Assim, além de garantir sua segurança energética, o Brasil estará agregando desenvolvimento regional e contribuindo decisivamente para a superação da crise climática. Mais do que um leilão ocasional, o Brasil precisa definir uma política permanente de aproveitamento de seus extraordinários potenciais eólico, de biomassa e de outras fontes renováveis.
Está em nossas mãos utilizar nossa cana-de-açúcar e nossos ventos para transformar a crise em oportunidades de desenvolvimento regional, gerando empregos e reduzindo as emissões de gases do efeito estufa.

IDELI SALVATTI , 56, física, é senadora (PT-SC). Foi deputada estadual (95-98 e 99-2002) e líder da bancada do PT e do bloco de apoio ao governo no Senado.


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