São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Bradesco, 1943, ou UBS, 1852?

ROBERTO MUYLAERT

Parece claro que vivemos um momento melhor do que o de muitos países. Podemos ser um pouco ufanistas, sem cair no ridículo

UM PRAZER a leitura do anuário "The World in 2009", da "The Economist". Um alento para quem acredita em vida longa para veículos impressos. A qualidade e a abrangência dos textos e a atilada análise preparada pela revista britânica -com 1,4 milhão de exemplares por semana- interessam a quem gosta de saber das coisas a partir de uma fonte confiável. Uma publicação a ser folheada da frente para trás e de trás para a frente, como só os leitores de revistas podem fazer.
Alguns dos temas abordados destacam o Brasil de forma positiva, na análise econômica da revista, quando já fomos exemplo a ser repudiado. A "The Economist" concorda que a transferência de poder para regiões como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China vai se acelerar. Trata-se de países que poderão ter mais voz ativa na discussão dos destinos do mundo. Parece claro que vivemos um momento econômico-financeiro melhor do que o da a maioria dos países analisados no anuário. Agora podemos ser um pouco ufanistas, sem cair no ridículo.
Outro dia, um diretor de empresa aérea brasileira, indagado sobre como iam as coisas por lá, respondeu que estavam submetidos a um corte violento de despesas. Questionado sobre quantos passageiros haviam perdido em razão da crise, confessou, de bate-pronto: "Nenhum!". A partir daí conclui-se que, com essa atitude, sua empresa é que é a crise.
Algumas organizações brasileiras que dependem só de exportação estão com problemas de financiamento -caso da Embraer, apesar dos esforços do governo. Mas muitas das que dependem do mercado interno não têm queixas em relação ao problema, como uma indústria automobilística do Paraná que interrompeu o acordo de férias de 500 funcionários, às pressas, diante do inesperado incremento das vendas no início do ano.
Alguns empresários estão surpresos com a reversão das expectativas, ao desfilar resultados do início de 2009 melhores do que os núme-ros de 2008. Um executivo que anda cortando gastos furiosamente, apesar de não haver queda na produção, explica que, assim como a cigarra da fábula, a empresa estava armazenando gordura para quando viesse o declínio das atividades, o que não havia acontecido até o final de fevereiro. Nada parecido com a calamidade financeira ocorrida nos países do hemisfério Norte, que até há pouco tempo controlavam os fluxos de dinheiro globalizado em benefício próprio.
E que, nariz empinado, agraciavam os pobres, os trêmulos, os agradecidos e os emocionados, com graus de investimento um pouco melhores, enquanto mantinham suas empresas na categoria AAA, o mais alto grau de confiabilidade. É textual na "The Economist" que "bancos de investimento deixaram de existir em 2008 como atividade independente, com o colapso de instituições de grande prestígio". Também, o que se poderia esperar de instituições hipotecárias com nome de dupla sertaneja: Fannie Mae e Freddie Mac?
E quem diria que, um dia, a gente teria mais confiança no Banco Brasileiro de Descontos -o Bradesco, nascido em Marília, Brasil, 1943- do que no Union Bank of Switzerland -o UBS, de Zurique, Suíça, 1852? Nos textos do referido anuário 2009, "o Brasil continuará com a economia melhor do que a do México, mas o baixo preço das commodities acabará com o superávit de sua balança comercial, desvalorizando o real.
A diversidade de suas exportações e o forte consumo doméstico manterão o crescimento em 3%, dois pontos a menos do que o de 2008. Já a vigorosa recuperação da Argentina deverá perder impulso e o governo terá dificuldade em persuadir investidores de que o país é seguro para negócios". Em artigo assinado, Luiz Inácio Lula da Silva esclarece que o Brasil está expandindo a produção agrícola e reforçando a exportação de alimentos, enquanto o ritmo de desmatamento da Amazônia reduziu-se à metade, indicação de que a moderna agroindústria brasileira não ameaça a floresta tropical.
O mais divertido da edição fica por conta da colunista Ann Wroe, na última página, com direito a uma charge, em que um ex-presidente solta fogo pelas ventas: "George W. Bush deixa o legado das suas narinas, responsáveis por certo ar simiesco. Suas ventas se dilatam na hora do discurso, mesmo quando começa calmo, e então explodem, incontroláveis. Bush será lembrado por elas".

ROBERTO MUYLAERT , 73, jornalista, é editor, escritor e atual presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Foi presidente da TV Cultura de São Paulo (1986 a 1995) e ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social (1995, governo FHC).


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