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TENDÊNCIAS/DEBATES
Bradesco, 1943, ou UBS, 1852?
ROBERTO MUYLAERT
Parece claro que vivemos um momento melhor do que o de muitos países. Podemos ser um pouco ufanistas,
sem cair no ridículo
UM PRAZER a leitura do anuário
"The World in 2009", da "The
Economist". Um alento para
quem acredita em vida longa para veículos impressos. A qualidade e a
abrangência dos textos e a atilada
análise preparada pela revista britânica -com 1,4 milhão de exemplares
por semana- interessam a quem gosta de saber das coisas a partir de uma
fonte confiável. Uma publicação a
ser folheada da frente para trás e de
trás para a frente, como só os leitores
de revistas podem fazer.
Alguns dos temas abordados destacam o Brasil de forma positiva, na
análise econômica da revista, quando
já fomos exemplo a ser repudiado.
A "The Economist" concorda que a
transferência de poder para regiões
como o Brasil, a Rússia, a Índia e a
China vai se acelerar. Trata-se de países que poderão ter mais voz ativa na
discussão dos destinos do mundo. Parece claro que vivemos um momento
econômico-financeiro melhor do que
o da a maioria dos países analisados
no anuário. Agora podemos ser um
pouco ufanistas, sem cair no ridículo.
Outro dia, um diretor de empresa
aérea brasileira, indagado sobre como
iam as coisas por lá, respondeu que
estavam submetidos a um corte violento de despesas. Questionado sobre
quantos passageiros haviam perdido
em razão da crise, confessou, de bate-pronto: "Nenhum!". A partir daí conclui-se que, com essa atitude, sua
empresa é que é a crise.
Algumas organizações brasileiras
que dependem só de exportação estão
com problemas de financiamento
-caso da Embraer, apesar dos esforços do governo. Mas muitas das que
dependem do mercado interno não
têm queixas em relação ao problema,
como uma indústria automobilística
do Paraná que interrompeu o acordo
de férias de 500 funcionários, às pressas, diante do inesperado incremento
das vendas no início do ano.
Alguns empresários estão surpresos com a reversão das expectativas,
ao desfilar resultados do início
de 2009 melhores do que os núme-ros de 2008.
Um executivo que anda cortando
gastos furiosamente, apesar de não
haver queda na produção, explica
que, assim como a cigarra da fábula,
a empresa estava armazenando gordura para quando viesse o declínio
das atividades, o que não havia acontecido até o final de fevereiro.
Nada parecido com a calamidade financeira ocorrida nos países do hemisfério Norte, que até há pouco tempo controlavam os fluxos de dinheiro
globalizado em benefício próprio.
E que, nariz empinado, agraciavam
os pobres, os trêmulos, os agradecidos e os emocionados, com graus de
investimento um pouco melhores,
enquanto mantinham suas empresas
na categoria AAA, o mais alto grau
de confiabilidade.
É textual na "The Economist" que
"bancos de investimento deixaram
de existir em 2008 como atividade independente, com o colapso de instituições de grande prestígio".
Também, o que se poderia esperar
de instituições hipotecárias com nome de dupla sertaneja: Fannie Mae e
Freddie Mac?
E quem diria que, um dia, a gente
teria mais confiança no Banco Brasileiro de Descontos -o Bradesco, nascido em Marília, Brasil, 1943- do que
no Union Bank of Switzerland -o
UBS, de Zurique, Suíça, 1852?
Nos textos do referido anuário
2009, "o Brasil continuará com a economia melhor do que a do México,
mas o baixo preço das commodities
acabará com o superávit de sua balança comercial, desvalorizando o real.
A
diversidade de suas exportações e o
forte consumo doméstico manterão o
crescimento em 3%, dois pontos a
menos do que o de 2008. Já a vigorosa
recuperação da Argentina deverá perder impulso e o governo terá dificuldade em persuadir investidores de
que o país é seguro para negócios".
Em artigo assinado, Luiz Inácio
Lula da Silva esclarece que o Brasil
está expandindo a produção agrícola
e reforçando a exportação de alimentos, enquanto o ritmo de desmatamento da Amazônia reduziu-se à
metade, indicação de que a moderna
agroindústria brasileira não ameaça
a floresta tropical.
O mais divertido da edição fica por
conta da colunista Ann Wroe, na última página, com direito a uma charge,
em que um ex-presidente solta fogo
pelas ventas: "George W. Bush deixa
o legado das suas narinas, responsáveis por certo ar simiesco. Suas ventas
se dilatam na hora do discurso, mesmo quando começa calmo, e então
explodem, incontroláveis. Bush será
lembrado por elas".
ROBERTO MUYLAERT , 73, jornalista, é editor, escritor e
atual presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Foi presidente da TV Cultura de São Paulo (1986 a 1995) e ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social (1995, governo FHC).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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