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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
E se os juros caíssem?
Dois temas dominam a discussão nacional: se os juros devem
cair e se os radicais do PT devem ser
expurgados. Sem ligação aparente,
convergem, porém, num atributo perturbador: passam longe do que o Brasil precisa fazer para levantar-se do fatalismo e da perplexidade em que
afundou. Um simboliza falta de proposta; o outro, falta de agente.
Há grita geral para baixar os juros. O
que aconteceria amanhã se os juros
baixassem, como acabarão baixando?
Num primeiro momento, nada. Num
segundo momento, se continuassem a
baixar, começaria a confusão, na forma de desconfiança e desinvestimento. Só num terceiro momento, se o governo não só persistisse na queda dos
juros mas também reorientasse toda a
política econômica e social, é que os
efeitos benéficos começariam a sobrepujar os prejudiciais. Não é razão para
deixar de baixar os juros. É motivo para abandonar a ilusão agradável, perigosa e absurda que exemplifica nossa
atração pelos atalhos e pelas contradições não resolvidas: a de que dinheiro
pouco mais barato salvaria o Brasil.
O juro real está a 19%. A 12% continuaria a significar a eutanásia dos produtores e o sepulcro do emprego. As
"reformas" previdenciária e tributária
propostas pelo governo são tão modestas em suas dimensões e tão demoradas em seus efeitos (a não ser nos
efeitos sobre suas vítimas) que não
atenuarão a dependência do governo
da confiança financeira. Ao apressar a
queda dos juros, o governo perderia a
confiança antes de viabilizar o investimento e a produção.
A única maneira de assegurar que o
juro real seja inferior à taxa de média
de retorno dos negócios é fazer revolução de políticas e de idéias: adotar
estratégia nacional de reconstrução
econômica e social que substitua o
projeto que o governo central abraçou
no período de Collor a Lula. Quem
exige juro baixo sem admitir a necessidade dessa revolução está mentindo
ao país e a si mesmo.
Essa mentira encontra reforço na
obsessão com os dissidentes do PT. A
obsessão serve de álibi para divertir-se
com uma oposição de fantasia em vez
de construir uma oposição de verdade. Tudo se arma para organizar a alternância do poder entre o PT e o
PSDB como duas vertentes do mesmo
projeto. E a eleição presidencial de
2006 como concorrência entre Lula e
Fernando Henrique -dois homens
mundanos, jeitosos e céticos, que
vêem a humanização do inevitável como limite da política transformadora.
Alternativa séria a isso não se confunde com sectarismo de esquerda. É
luta para mais uma vez organizar a
convergência de centro-esquerda, voltada para os interesses do trabalho, da
produção e da independência nacional, que possa abrir outro rumo para o
Brasil. Será fácil identificá-la porque
sua preocupação central não será a urgência de baixar os juros.
Com que forças podemos construir
essa convergência depois de tantas
tentativas frustradas? E sob governo
que, desmoralizando os partidos e aliciando a mídia, radicaliza nas práticas
anti-republicanas para poder radicalizar no projeto econômico e social que
foi eleito para substituir? Começamos
do quase nada, desfalcados de partidos e de líderes e postos diante de um
país atordoado pela repetição das
mentiras açucaradas. Sejamos, por isso mesmo, diretos nas palavras, audaciosos nos métodos e pacientes nos esforços. Atuemos primeiro na opinião
nacional para só depois enfrentar a
política partidária. Confiemos no discernimento da nação. Demora, mas
chega.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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