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São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O drama das universidades federais

CARLOS VOGT

Entra ano , sai ano e o sistema público federal de ensino superior continua na mesma cadência: no descompasso entre aquilo que, há anos, sabe-se que deve e precisa ser feito e as ações governamentais que adiam sistematicamente a sua consecução.
O que deve ser feito -a autonomia da gestão financeira das universidades- estava, inclusive, no programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando candidato; o que se vê fazer, pelo menos até agora, é um controle fortemente centralizado da liberação dos recursos para essas instituições.
O fato de ser centralizado não constituiria, em si mesmo, um fator negativo, não fosse o argumento histórico de que são raros os sistemas eficientes e eficazes, capazes de produzir resultados relevantes, de acordo com os fins para que se constituem, que adotem a excessiva centralização como princípio ordenador de seu funcionamento.
Há tempos, pelo menos desde o primeiro governo do presidente Fernando Henrique, o tema da autonomia de gestão financeira das universidades ronda as expectativas e boa parte dos movimentos da comunidade acadêmica, no sentido da conquista de condições mais propícias à boa organização e ao bom desempenho do sistema de educação pública superior como um todo.
Agora, instalado o novo governo, já decorridos mais de três meses da posse, as esperanças das universidades federais começam a se matizar com alguns tons de receio no que diz respeito à propalada autonomia de gestão financeira. É verdade que algumas medidas emergenciais já estão sendo tomadas no sentido de desagravar a situação de penúria das universidades. São medidas importantes, mas que ainda estão longe das mudanças estruturais exigidas.
A autonomia, que é, a meu ver, condição necessária para o bom funcionamento e a boa gestão das universidades públicas, tem uma experiência importante desde 1989, no sistema das universidades estaduais paulistas, e, desde 1962, na própria Fapesp.
Mesmo não sendo condição suficiente, sem ela não há como estabelecer mecanismos estruturais de planejamento e organização da vida acadêmica, tanto em suas finalidades maiores -o ensino, a pesquisa e os serviços que daí derivam-, como nas atividades técnico-administrativas que lhe dão suporte.
Para agravar as desventuras das protagonistas dessa comédia de enganos, as universidades federais, vê-se agora que elas não só continuam impedidas de chegar à maioridade administrativa que a autonomia consagraria, como ainda vivem sob regime de forte tutela desconfiada. Mais grave, contudo, é a situação que se cria pela sistemática da liberação semanal dos recursos necessários à sua manutenção, em obediência à racionalidade econômico-financeira do governo, que, desse modo, previne as universidades de caírem na tentação de ficar com o dinheiro parado em conta. É uma situação cômica e triste, mas que, num caso e noutro, produz a total impossibilidade de qualquer planejamento para as instituições.


É preciso reformar a Previdência. Mas é preciso providenciar para que as reformas não sejam sumárias demais


Some-se a isso o clima de medo e incerteza criado por anúncios de mudanças radicais na Previdência, desde o fatídico governo Collor. O alarme disparado na década de 1990 não parou de provocar prejuízos, em termos de recursos humanos, nas instituições públicas de ensino superior, embora de efetivo pouco se tenha feito no que concerne às mudanças trombeteadas.
Tem sido como uma crônica do estrago anunciado: anunciam-se medidas radicais e lineares, espalha-se o pânico, o pessoal das universidades se apressa em se aposentar, com medo de perder os legítimos direitos com que foi contratado e ingressou na carreira, e pronto, está feito o coquetel molotov da intranquilidade e da deserção provocada.
As universidades públicas, de um modo geral, em graus diferentes, mas com a mesma qualidade dramática, estão perdendo seus quadros de professores e pesquisadores seniores, não têm condições orçamentárias para repô-los e, o mais grave, vêem quebrado o círculo virtuoso do processo de contínua formação e desenvolvimento pessoal e profissional de seus quadros mais jovens.
É preciso reformar a Previdência. Mas é preciso providenciar para que as reformas não sejam sumárias demais, a ponto de atender apenas à voz monótona da razão instrumental, que, em geral, conduz e orienta as ações públicas dos dirigentes políticos.
Sem educação de qualidade, o país do futuro é sem futuro, como, na piada do boteco, o pão com manteiga sem manteiga é mais barato. Não podemos baratear a educação superior no país. Ela é cara à sociedade, tanto no sentido de ser querida e necessária, como no sentido de ser custosa aos cofres públicos.
Cabe às universidades empenharem-se, com afinco redobrado, em sua missão formativa para dar à sociedade que as requer o retorno social e econômico dos investimentos que são feitos. É a nossa responsabilidade. A dos governos é oferecer as condições propícias para a realização de seus objetivos de ensino, pesquisa e extensão. Entre essas condições, a autonomia de gestão financeira e um sistema previdenciário que contemple a complexidade e a especificidade das ocupações profissionais dedicadas à produção, à difusão, à divulgação do conhecimento e de sua transformação em riqueza social e econômica para o país.

Carlos Vogt, 60, poeta e linguista, é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi reitor da Unicamp (1990-94).


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