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TENDÊNCIAS/DEBATES
O drama das universidades federais
CARLOS VOGT
Entra ano , sai ano e o sistema público federal de ensino superior
continua na mesma cadência: no descompasso entre aquilo que, há anos, sabe-se que deve e precisa ser feito e as
ações governamentais que adiam sistematicamente a sua consecução.
O que deve ser feito -a autonomia da
gestão financeira das universidades-
estava, inclusive, no programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, quando candidato; o que se vê fazer, pelo menos até agora, é um controle
fortemente centralizado da liberação
dos recursos para essas instituições.
O fato de ser centralizado não constituiria, em si mesmo, um fator negativo,
não fosse o argumento histórico de que
são raros os sistemas eficientes e eficazes, capazes de produzir resultados relevantes, de acordo com os fins para que
se constituem, que adotem a excessiva
centralização como princípio ordenador de seu funcionamento.
Há tempos, pelo menos desde o primeiro governo do presidente Fernando
Henrique, o tema da autonomia de gestão financeira das universidades ronda
as expectativas e boa parte dos movimentos da comunidade acadêmica, no
sentido da conquista de condições mais
propícias à boa organização e ao bom
desempenho do sistema de educação
pública superior como um todo.
Agora, instalado o novo governo, já
decorridos mais de três meses da posse,
as esperanças das universidades federais começam a se matizar com alguns
tons de receio no que diz respeito à propalada autonomia de gestão financeira.
É verdade que algumas medidas emergenciais já estão sendo tomadas no sentido de desagravar a situação de penúria
das universidades. São medidas importantes, mas que ainda estão longe das
mudanças estruturais exigidas.
A autonomia, que é, a meu ver, condição necessária para o bom funcionamento e a boa gestão das universidades
públicas, tem uma experiência importante desde 1989, no sistema das universidades estaduais paulistas, e, desde
1962, na própria Fapesp.
Mesmo não sendo condição suficiente, sem ela não há como estabelecer mecanismos estruturais de planejamento e
organização da vida acadêmica, tanto
em suas finalidades maiores -o ensino, a pesquisa e os serviços que daí derivam-, como nas atividades técnico-administrativas que lhe dão suporte.
Para agravar as desventuras das protagonistas dessa comédia de enganos, as
universidades federais, vê-se agora que
elas não só continuam impedidas de
chegar à maioridade administrativa que
a autonomia consagraria, como ainda
vivem sob regime de forte tutela desconfiada. Mais grave, contudo, é a situação que se cria pela sistemática da liberação semanal dos recursos necessários
à sua manutenção, em obediência à racionalidade econômico-financeira do
governo, que, desse modo, previne as
universidades de caírem na tentação de
ficar com o dinheiro parado em conta. É
uma situação cômica e triste, mas que,
num caso e noutro, produz a total impossibilidade de qualquer planejamento para as instituições.
É preciso reformar a Previdência. Mas é preciso providenciar para que as reformas não sejam sumárias demais
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Some-se a isso o clima de medo e incerteza criado por anúncios de mudanças radicais na Previdência, desde o fatídico governo Collor. O alarme disparado na década de 1990 não parou de provocar prejuízos, em termos de recursos
humanos, nas instituições públicas de
ensino superior, embora de efetivo pouco se tenha feito no que concerne às mudanças trombeteadas.
Tem sido como uma crônica do estrago anunciado: anunciam-se medidas
radicais e lineares, espalha-se o pânico,
o pessoal das universidades se apressa
em se aposentar, com medo de perder
os legítimos direitos com que foi contratado e ingressou na carreira, e pronto,
está feito o coquetel molotov da intranquilidade e da deserção provocada.
As universidades públicas, de um modo geral, em graus diferentes, mas com
a mesma qualidade dramática, estão
perdendo seus quadros de professores e
pesquisadores seniores, não têm condições orçamentárias para repô-los e, o
mais grave, vêem quebrado o círculo
virtuoso do processo de contínua formação e desenvolvimento pessoal e
profissional de seus quadros mais jovens.
É preciso reformar a Previdência. Mas
é preciso providenciar para que as reformas não sejam sumárias demais, a
ponto de atender apenas à voz monótona da razão instrumental, que, em geral,
conduz e orienta as ações públicas dos
dirigentes políticos.
Sem educação de qualidade, o país do
futuro é sem futuro, como, na piada do
boteco, o pão com manteiga sem manteiga é mais barato. Não podemos baratear a educação superior no país. Ela é
cara à sociedade, tanto no sentido de ser
querida e necessária, como no sentido
de ser custosa aos cofres públicos.
Cabe às universidades empenharem-se, com afinco redobrado, em sua missão formativa para dar à sociedade que
as requer o retorno social e econômico
dos investimentos que são feitos. É a
nossa responsabilidade. A dos governos
é oferecer as condições propícias para a
realização de seus objetivos de ensino,
pesquisa e extensão. Entre essas condições, a autonomia de gestão financeira e
um sistema previdenciário que contemple a complexidade e a especificidade
das ocupações profissionais dedicadas à
produção, à difusão, à divulgação do conhecimento e de sua transformação em
riqueza social e econômica para o país.
Carlos Vogt, 60, poeta e linguista, é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e presidente da Fapesp (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi
reitor da Unicamp (1990-94).
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