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São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A cobrança de impostos das filantrópicas

LUIZ GONZAGA BERTELLI

A imprensa vem noticiando, com reiteração, as declarações do Ministério da Previdência sobre possíveis alterações na imunidade tributária das instituições de assistência social, sem fins lucrativos. Na realidade, os contornos e os limites dessa concessão do Estado encontram-se na Constituição Federal, cabendo, dessa forma, às normas infraconstitucionais o papel de explicitar o conteúdo do ordenamento e princípios da Carta Magna.
Geraldo Ataliba aduzia que "a imunidade é ontologicamente constitucional". É assente o entendimento que o direito à imunidade constitui cláusula pétrea da Constituição e, dessa forma, nenhuma lei, poder ou autoridade poderá anulá-lo.
Nesse aspecto, a imunidade difere das isenções concedidas, eis que estas decorrem da vontade da lei e podem ser alteradas ou revogadas por outra lei.
As imunidades consideradas de interesse público são mencionadas no artigo 150, inciso VI, da Carta Magna, com o escopo primordial de proteger de eventual cobrança de impostos as organizações filantrópicas (terceiro setor), sendo que os objetivos institucionais dessas entidades poderiam restar frustrados, na hipótese do recolhimento de tributos. A matéria é de grande relevância e a Corte Suprema de Justiça não relutou, recentemente, em elidir a controvérsia no tocante à possibilidade da cobrança de ICMS na comercialização de bens por entidades beneficentes, que possuem as suas imunidades.
Para os ministros julgadores do STF, o objetivo da aludida norma constitucional é garantir que as rendas oriundas das atividades, responsáveis pela manutenção e crescimento das entidades de filantropia, sejam desoneradas, sem o que tornaria inexequível a sua manutenção e continuidade das suas atividades. Com efeito, as entidades beneficentes ou de assistência social necessitam de recursos para o pagamento dos seus projetos e implemento dos gastos com pessoal, equipamentos, serviços, estruturas, materiais, computadores, serviços etc.
Ademais, as instituições particulares de assistência social atuam suplementarmente à função do Estado, mesmo porque não existem, nos dias atuais, recursos suficientes nos tesouros para o atendimento a tudo o que é dever do governo e direito fundamental de todos os brasileiros.
Por isso, no seu magistério, Pinto Ferreira considera a complementação do múnus estatal pelas organizações filantrópicas de assistência social atividade "indispensável e importante", eis que promove a integração do jovem estudante ao mercado de trabalho, proteção à família, reabilitação de pessoas portadoras de deficiência e proteção à velhice, entre outros objetivos previstos na Constituição Federal.
Para tanto, tais entidades filantrópicas não têm o escopo institucional de obtenção do lucro, sendo que as receitas advindas das suas atividades sociais estão cobertas pelo manto da imunidade de todos os impostos. Da mesma forma, as receitas com doações, venda de produtos ou serviços, aluguel de estacionamentos, auditórios ou salões de festas, bem como os imóveis utilizados, de propriedade das organizações, são da mesma forma imunes do IPTU.


É flagrante a inconstitucionalidade de restrição à imunidade concedida às instituições de assistência social


Não pode o legislador ordinário, em decorrência seja da União, dos Estados ou dos municípios, fixar regras para o gozo de imunidade sobre o qual ele mesmo está impedido de tributar. Portanto é flagrante a inconstitucionalidade de restrição à imunidade concedida às instituições de assistência social e/ou de educação, por meio de lei ordinária.
As entidades filantrópicas são aquelas que não apresentam "superávit" em suas contas ou, caso o registrem em determinado exercício, destinam referido resultado integralmente ao incremento do seu ativo imobilizado.
Não podem, contudo, ser confundidas com as instituições "pilantrópicas", e daí a imprescindibilidade da eficiente fiscalização das suas atividades pelo poder público, no caso por intermédio do Conselho Nacional de Assistência Social -órgão colegiado do Ministério de Assistência e Promoção Social, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil.
Data do Iluminismo do século 18 a proteção do Estado às obras de assistência social, tendo sido incorporada nos governos das nações desenvolvidas. Comparando a filantropia à caridade, a primeira toma geralmente um caráter naturalista e laico, ao passo que a segunda apresenta uma tonalidade religiosa. Além disso, a caridade corresponde mais ao impulso espontâneo de auxílio aos indivíduos necessitados, e a filantropia a um movimento constante, disciplinado, voltado à promoção do bem-estar social dos desamparados.
Daí a necessidade do permanente apoio e redobrado incentivo às instituições filantrópicas nos seus diversos sentidos, visando o bem dos homens e o desenvolvimento das nações.

Luiz Gonzaga Bertelli, 68, advogado e jornalista, diretor da Fiesp e da Associação Comercial de São Paulo, é presidente-executivo do Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola).


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